Traduções, feitas ao vivo, são traiçoeiras. Imagina no estádio olímpico lotado. O Usain Bolt ali e o repórter prestando atenção e passando tudo para o português na velocidade de um sprint… de Usain Bolt.
Em casa, no sofá, é mais fácil. Pipoca na mão e olhos na telinha. Foi assim que entendi o fenômeno.É meio estranho aquele jamaicano longilíneo e forte entrar na pista rindo, dançando, esbanjando simpatia, ouvindo música, abanando pra plateia… e no fim sair do Rio carregado de medalhas de ouro. Milagre, dom divino, sorte?
A distensão do espírito parece incompatível com a tensão dos músculos. Foi Bolt quem explicou, numa entrevista de dois minutos logo depois de ganhar – de novo – os 200 metros.
A pergunta foi aquela que a gente jura, ao entrar na faculdade de Jornalismo, nunca fazer. Mas quase sempre ela se torna irresistível. "Qual o segredo?" E o Bolt nem piscou. "Treino. Trabalho duro."
Isso todos dizem. E fazem. Mas aí veio a pedra preciosa, o tesouro, a revelação luminosa e quase divina. O jamaicano continuou. "Vocês não veem o sofrimento, a rotina, o esforço que eu faço longe das câmeras e das pessoas. Aqui eu venho pra me divertir."
Incrível. Bolt quer se divertir. Rir, dançar e ouvir seu nome gritado pela multidão. Fazer selfies com o público, dar a volta olímpica enrolado na bandeira do Brasil e cantar One Love, do Bob Marley.
Tem as questões genéticas, claro. Ele foi feito pra correr. Mas isso não garante nada. Bolt encara treino como disputa de medalha. E disputa de medalha como um simples treino. O segredo é que ele aprendeu isso mais rápido do que os outros.
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Porto alegre | Quem é esperto não cochilaCom uma boneca no bancoe a outra na mochilaO gaúcho nem se preocupaCom o que pensamda sua mala de garupaDe terno ou pilchadoO importante é chegar bemLá do outro ladoQuem vive na cidade vêA falta que às vezes fazUm azulzinho da EPTC.
Não é preciso ver para enxergar
O Ricardinho foi escolhido duas vezes o melhor jogador do mundo de futebol para cegos. Ele é gaúcho, estudou no Santa Luzia, em Porto Alegre. Outro dia entrevistei o Ricardinho em um evento com atletas paraolímpicos, aqui mesmo, no prédio da RBS. Ele, a Mônica, da esgrima, e o Geraldo, do tiro. Falarei mais sobre todos eles nos próximos dias. Fizemos juntos um projeto muito legal.
Voltando à entrevista, o Ricardinho acertou no ângulo ao explicar como enxerga o preconceito. Ele fazia uma visita à casa de um amigo, no Nordeste. Uma senhora, ao vê-lo entrar, exclamou, comovida: "Tadinho do bichinho, é doentinho". Ricardinho conta rindo, sem mágoa e sem tristeza. E explica: "Foi aí que eu me dei conta de que o preconceito, na maioria das vezes, não é maldade. É ignorância".
No dia 7 de setembro começa a Paraolimpíada, no Rio. Teremos pelo menos 10 atletas gaúchos competindo. Para mim, esse evento é, em muitos aspectos, o verdadeiro guardião do espírito olímpico.
Nem todas as tevês darão atenção, nem todos os jornais abrirão muito espaço. Por menor que seja a repercussão, ela é fundamental para milhões de seres humanos. A maioria, a gente não vê. Porque as cidades não estão preparadas para eles. Porque é mais cômodo fazer de conta que eles não existem.
A visibilidade é a medalha de ouro.
Não é favor. É dever.