Um passo atrás para enxergar melhor.O peruano Mario Vargas Llosa escreveu uma obra universal e definitiva: A Guerra do Fim do Mundo. Misturando personagens reais e imaginários, compôs um quadro magistral da Guerra de Canudos, conflito social, militar e religioso que pintou o sertão da Bahia de sangue no fim do século 19.
Foram quatro anos de viagens e de pesquisas até que, em 1981, o romance foi publicado. Vargas Llosa escreveu muitos outros livros importantes. Tantos, que ganhou o Nobel de Literatura.
Durante a semana, ele esteve em Porto Alegre para a abertura do Fronteiras do Pensamento. Aos 80 anos, discorreu sobre desilusão com o socialismo, literatura, beleza e Donald Trump, a quem chamou de “palhaço perigoso”. Foi aplaudido. Também por mim. Depois da conferência, eu conduzia a entrevista no palco do Salão de Atos da UFRGS lotado.
Não pude deixar de lembrar da primeira vez que o vi ao vivo. Foi em Frankfurt, na década de 80. Por coincidência, jantávamos no mesmo restaurante. Não tive sequer coragem de cumprimentá-lo. Mais de 30 anos depois, a cabeleira preta de então se tingiu de cinza. Mas suas ideias adquiriram musculatura ainda mais vigorosa.
O Fronteiras do Pensamento aconteceu na quarta-feira, dia da primeira votação do impeachment no Senado. Tocar no assunto era quase um dever. Tentei ser delicado. Queria ouvi-lo, mas sem criar constrangimentos desnecessários.
"O que acontece no Brasil é um fato isolado ou parte de um movimento maior?", foi mais ou menos o que perguntei. A resposta foi certeira, encantadora, fulminante.
Llosa identifica, no Brasil e na América Latina, o nascimento de um movimento gigante e consistente contra a corrupção, até então tolerada entre nós. “Não é direita contra esquerda?”, insisti. O Nobel de literatura acredita que a ideologia, nesse caso, é secundária. O que importa, o que nos levará a um novo patamar de democracia, é a intolerância absoluta com a roubalheira e com os desvios, venham da esquerda, da direita ou do centro.
Só quem dá um passo atrás consegue ampliar a perspectiva da visão. Estamos nas primeiras batalhas de uma guerra. Se vencermos, sairemos do fim do mundo. Para o começo.