Dois urubus. Calculo que seja um casal, apesar da minha ignorância sobre morfologia de gênero das aves de rapina. Faz três semanas, os vi pousados na parte mais alta da casa. Plácido, um deles olhava o horizonte com jeito de Pero Vaz de Caminha. O outro, ou outra, sei lá, curtia o visual do dia de sol sem nuvens.
Sexta-feira, ao chegar da praia, lá estavam eles outra vez. Na semana passada, os avistei no mesmo horário, no mesmo local. Juntei os pontos e concluí: existe um ninho em cima da caixa-d’água.
Estou pensando no que fazer, mas não vou decidir sozinho. Um conselho de família será convocado para debater o tema. Vejo duas opções. A primeira: consultar o Ibama, esperar a visita de um técnico, chamar um especialista em remoção de urubus para levá-los embora. A segunda: deixá-los lá, assim como a gente fazia com as corujas.
Voto na segunda. Deixa os bichos. Em breve, teremos urubuzinho novo no pedaço. Vai ser lindo ver a natureza construindo seus elos de continuidade. Até porque, se eu chamasse o Ibama, o mais provável é que a recomendação fosse a de abandonar a casa para não quebrar o clima do namoro. Eles têm suas razões. E a certeza de que os invasores somos nós. Até certo ponto, concordo.
Na década de 90, fui fazer uma reportagem estilo Caras no sítio do ex-governador Alceu Collares. "O Rincão dos Rebeldes (nome do sítio) está cheio de amor." Foi assim que comecei o texto publicado em uma edição de Carnaval da Zero Hora. Realmente estava. Collares e a primeira-dama Neuza Canabarro se tratavam com um carinho comovente.
Fomos passear pelo sítio. De repente, lá longe, Collares avistou dois jumentos bem juntinhos: "Apelidei um de Britto e o outro de Fernando Henrique. Onde um vai, o outro vai sempre atrás", brincou Collares. A piada, publicada por mim, gerou ranger de dentes. Mas, no fim, era apenas uma piada sobre a proximidade entre o ex-presidente e o ex-governador gaúcho.
Me lembrei dessa história enquanto olhava os urubus na casa da praia. Um deles parecia me cuidar com o canto do olho. Quase dei boa-tarde. Para mostrar a amistosidade das minhas intenções com os novos inquilinos, vítimas contumazes do preconceito pela sua função na cadeia alimentar, resolvi batizá-los: Dilma e Temer. Que dupla! Que dinâmica de relação!
Agora, enquanto escrevo, Dilma e Temer estão sobre a minha cabeça. Cuidando um do outro, olhando o movimento. Espero que eles tenham percebido o bom estado dos meus sinais vitais.