O Clube dos Canibais é um filme dirigido pelo cearense Guto Parente e ambientado na região metropolitana de Fortaleza, mas inspira-se em uma história, ou melhor, uma lenda de Porto Alegre e um livro do historiador gaúcho Décio Freitas (1922-2004).
Em cartaz no Telecine, no Google Play e no YouTube, esta mistura de terror com comédia tem origem em O Maior Crime da Terra, que aborda os Crimes da Rua do Arvoredo, atual Fernando Machado, no Centro Histórico. Lá, entre 1863 e 1864, o catarinense José Ramos e sua esposa, a húngara Catarina Palse, teriam transformado em linguiça a carne das pessoas que assassinaram — algo que nunca foi provado (no sentido científico, convém esclarecer).
Os linguiceiros do século 21 são o empresário Otávio (Tavinho Teixeira) e sua esposa desocupada, Gilda (Ana Luiza Rios), que logo na abertura revelam seu modus operandi: ele finge que vai a trabalho para a cidade grande, ela seduz um empregado da casa; quando a transa atinge seu ápice, o marido aparece com um machado para golpear na cabeça o pobre coitado, que pinga sangue sobre o corpo de Gilda. Na sequência seguinte, ela faz juras de amor enquanto Otávio esquarteja o defunto.
Trata-se, portanto, de uma espécie de pornochanchada gore. Mesmo sendo curto (menos de uma hora e meia), o filme parece se esticar ou se repetir em algumas passagens. Mas ganha alcance a partir do momento em que Otávio e Gilda incomodam tubarões maiores — sem, contudo, assumirem contornos de peixinhos dourados quando passam a ser caçados: aqui, não há personagens ilibados.
Em entrevistas, o diretor e roteirista Guto Parente diz que seu filme é sobre uma mazela brasileira: o descaso dos muito ricos pelos muito pobres, que só servem para serem comidos, literalmente e também no sentido sexual. É uma elite predadora e hipócrita, que diz mentiras até elas se tornarem verdades.
Essa é a tática adotada pelo deputado Borges (Pedro Domingues), o líder do Clube dos Canibais, quando Gilda descobre um segredo seu. Um segredo que contraria parte do discurso proferido horas antes pelo político, palavras embebidas em um vinho da moda, o fundamentalista, palavras que não buscam o diálogo, mas a cisão, palavras que querem calar as transformações sociais em nome de interesses privados: "Enquanto nos mantivermos leais uns aos outros e aos nossos ideais, seremos eternamente merecedores da posição privilegiada que ocupamos nesse mundo. Posição essa que nos demanda cada vez mais atenção e responsabilidade, pois nossos inimigos, aqueles que lutam pela degradação dos valores da família, da fé e do trabalho, aqueles que querem transformar o nosso país em uma terra de miseráveis, de delinquentes, de pederastas e de toda uma escória social que deveria se encontrar esmagada sob nossos pés, aqueles são capazes de todo tipo de vileza para nos derrubar. Mas não vamos cair. Nunca. Jamais. Porque somos muitos e somos fortes. Viva o Brasil e viva o povo brasileiro!".