"Quero dois filhos homens para formar uma dupla caipira." É isso o que Francisco José de Camargo, então com 19 anos, pede à esposa em cena do filme Dois Filhos de Francisco (2005), disponível no Google Play e no YouTube. Morto na segunda-feira (23), aos 83 anos, após 14 dias internado em um hospital de Goiânia por conta das complicações de um sangramento no intestino grosso, seu Francisco deixou como legado uma das maiores duplas sertanejas do país, Zezé di Camargo e Luciano, e um belo personagem do cinema brasileiro.
Interpretado por Ângelo Antônio, o pai de Zezé e Luciano é a alma de Dois Filhos de Francisco, que levou 5,3 milhões de espectadores aos cinemas — é a 13ª maior bilheteria nacional — e vendeu 600 mil DVDs. O enorme público até que era esperado, porque o diretor Breno Silveira conta contar como foi o nascimento de uma dupla que vendeu mais de 40 milhões de discos. Mas o filme é tão bem narrado, tão bem interpretado e tão pungente que, no boca a boca, deve ter conquistado até quem tapa os ouvidos ao gênero.
O longa foi uma produção da Conspiração Filmes (a mesma que depois bancaria Gonzaga — De Pai pra Filho, do mesmo diretor). A história começa em 1962, em Sítio Novo, localidade de Pirenópolis, no interior de Goiás. Francisco (Ângelo Antônio) é um pequeno agricultor apaixonado por música caipira. Depois que sua mulher, Helena (Dira Paes, rainha das nuanças), dá à luz Mirosmar (Dablio Moreira), o pai bota uma ideia fixa na cabeça: quer mais um filho para formar uma dupla sertaneja.
— O Francisco é um sujeito que não desiste do sonho, que não abandona a esperança. Ele não é um vencedor à americana. Muita gente vai julgá-lo como um pai tirano, maluco. Porque o ser humano é assim, bom e ruim — disse à época, no Festival de Gramado, Breno Silveira.
Pois, inspirado pelo canto do galo, Francisco obriga Mirosmar e seu irmão Emival (Marcos Henrique) a comer ovo cru para que fiquem com a voz estridente.
Mas esse é o mesmo homem que, muitos anos mais tarde, vai gastar seu dinheiro comprando fichas para telefonar às rádios pedindo a canção É o Amor (1990), o primeiro sucesso de seus filhos Mirosmar, o Zezé di Camargo (vivido na fase adulta pelo gaúcho Márcio Kieling, com incrível semelhança física e delicada atuação), e Welson, o Luciano (Thiago Mendonça), 11 anos mais moço.
Por sua atuação, Ângelo Antônio conquistou os troféus de melhor ator do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).