E esse país, que eu nunca visitei, tem me invadido de todas as formas nas últimas semanas. Primeiro, chegou o texto da Fernanda Morassutti, que descreveu sua viagem a Kerala, para um retiro, como transformadora (publicado pela coluna). Depois, veio o convite para o lançamento de A Marcha do Sal, de Érico Hiller (leia a entrevista abaixo, sobre a marcha e o livro que será lançado no dia 17 em Gramado). Por fim, recebi Índia, Sabores e Sensações, que o jornalista Zeca Camargo autografa no próximo domingo (18) na Feira do Livro de Porto Alegre. Esse bombardeio não me deixou incólume. O país entrou para a minha lista de lugares para onde preciso ir, em algum momento da vida.
Aqui, vou centrar o texto no livro de Zeca que, não por acaso, usa como foto de capa em sua página do Facebook os muitos passaportes que já carimbou na vida. São mais de cem países percorridos pelo jornalista, apresentador do programa É de Casa, da Rede Globo. Entre eles, está a Índia, para onde voltou "um punhado de vezes" desde a primeira vez, em 1986. Na última delas, estava acompanhado do amigo indiano Varunesh Tuli, que também assina a obra produzida pela Companhia da Mesa.
— Não é um livro nem de cozinha nem de viagem. É um livro de descobertas — avisa ele, quase ao final das 150 páginas.
Nem seria preciso o lembrete, embora o sumário seja basicamente composto pelas receitas que virão a seguir. Estão ali quase 30 receitas, do chai ao lassi, bebidas que já incorporamos à nossa dieta, passando pelos pães e por misturas simples e/ou complexas, todas vegetarianas, para serem experimentadas do café da manhã ao jantar, ou, quem sabe, numa refeição em plena madrugada, como a que ele relata ter vivido por obra da mãe de seu amigo indiano. É na intimidade de casas como a dela, conta o jornalista, que se encontra a verdadeira comida indiana. Parece óbvio, mas nem tanto quando se pensa encontrar comida típica num restaurante… típico, mas contaminado por inúmeras influências.
Zeca também dá dicas de como aproveitar a comida de rua, de como substituir ingredientes (ou você já encontrou nigauri e colocásia na prateleira do supermercado?!), fala de semelhanças e diferenças com a comida brasileira e apresenta uma lista de temperos, molhos, chás e utensílios de cozinha. Não é, de fato, um livro de cozinha. Nem de viagem. É, como descreve Zeca, um livro de descobertas.
Serviço
Conversa com Zeca Camargo e lançamento, na Feira do Livro de Porto Alegre (Salão de Bridge do Clube do Comércio, na Rua dos Andradas, 1.085).
Dia 18 de novembro, às 18h30min.
"A grande foto é aquela que fica"
Entrevista: Érico Hiller, fotógrafo, autor de A Marcha do Sal
Nas 250 páginas de A Marcha do Sal, Érico Hiller refaz o trajeto percorrido em 1930 por Gandhi para protestar contra a tirania da coroa britânica, revelando a proibição de os indianos extraírem seu próprio sal, obrigados a comprá-lo dos ingleses. A seguir, Érico fala sobre sua experiência para capturar as imagens, em 400 quilômetros a pé pela Índia.
Serviço
Lançamento no Rhino Antiquário & Café, em Gramado (Av. Borges de Medeiros, 3.533).
Dia 17/11, das 16h às 20h.
Por que (re)fazer a marcha?
Eu lembro de me interessar pelo tema desde 2009, quase há uma década. Era um projeto silencioso, que deixei repousar e amadurecer em meu coração. Não recordo exatamente o motivo. Sempre curti Gandhi, tenho muitos livros dele, li sua biografia e, nos meus dois últimos grandes projetos — Ameaçados e A Jornada do Rinoceronte —, eu o tinha citado. Eu queria falar dele, mas sem ser literal. Falar sem falar. Refazer sua caminhada seria uma forma imagética e testemunhal de estar onde ele esteve, pisar onde pisou, de refletir sobre suas mensagens, sem visitar um museu ou fazer uma foto de uma estátua. Sentir a caminhada de 400 quilômetros, andar por um mês, me permitiria aproximar-me das pessoas e pensar sobre os aspectos da minha vida que entendo mais relevantes. Seria uma forma de ratificar meus propósitos, meu percurso de vida. Nós, fotógrafos documentais, fotografamos, em primeira instância, para nós mesmos. Mas sei que livros ficam para a humanidade. Então, penso que meus leitores são os que embarcam comigo na jornada, mesmo sem terem estado fisicamente lá.
Das tantas cenas (e das 70 fotos do livro), qual a que mais te impressionou? Por quê?
Não existe uma foto, mas um somatório de sentimentos e memórias absorvidos em uma camada muito profunda da minha alma. Essa é a grande "foto": aquela que fica e que nos faz sorrir e re-caminhar. Eu me senti muito acolhido no caminho. Sentia que era uma peregrinação abençoada e apoiada por todos. Eu sabia que no final tudo daria certo. Este livro não é um feito fotográfico ou parte de uma carreira. É uma era da minha vida, algo que contaria para meu filho e netos, que permitirá me aproximar dos aspectos da humanidade que mais me interessam. Se for para citar uma, destaco a de trabalhadores numa olaria no caminho para Jambusar, sobre a qual fiz a seguinte legenda...
"O trabalho de cada um tem igual valor. Tal senso de equidade foi o alicerce de tudo que Gandhi viria a fazer na vida. Com a convicção de que eu também gostaria de dedicar a minha fotografia para um despertar, em um sentido mais amplo, fui parar acidentalmente numa olaria a caminho de Jambusar. Vi homens e crianças se sacrificarem trabalhando sob um sol escaldante. O calor era inimaginável. A mim me interessava compreender melhor a penitência pelas quais as pessoas passam na calada de sua intimidade, nas noites maldormidas, nas lágrimas não vistas, na tácita doação aos filhos, nas humilhações do cotidiano. De onde uma pessoa consegue tirar a força moral para, mesmo diante de grandes adversidades na vida, se sacrificar pelo que acha certo? Eis uma resposta que a fotografia jamais será capaz de dar. Conturbado é o caminho que nos leva a tocar o coração das pessoas. A verdadeira dignidade não prescinde de palavras e só pode ser compreendida através do olhar. Às vezes, eu a vejo."
Por que ainda vale a pena fotografar diante da profusão de imagens, das milhões de fotos tiradas no mundo inteiro o tempo todo?
Sempre haverá fotografia. Claro, a maior produção hoje é virtual, para redes sociais. Mas desde o advento da fotografia, na metade do século 19, agora como nunca esta forma simples e magnífica de se expressar ganhou mais envergadura. Todos fotografam e quem quiser pode mostrar a um grande público. O que muda são as mídias, os formatos. Ainda assim, vejo o livro como a melhor forma de repousar um documentário. É tátil, é orgânico. É como jazz. Quem usa a fotografia para contar histórias, como eu, não pode se basear ou limitar em função do que é feito por aí afora. Muita coisa bacana e outras menos relevantes são exibidas a cada minuto. Não temos chance de ver nem 1% de tudo isso. Cada vez que encontro um fotógrafo inspirador no Instagram para mim é uma alegria. Pode ser uma menina de 13 anos da Coreia do Norte. Pode ser um senhor de cem anos na Europa. Pode ser um índio da Amazônia. Sempre há uma forma de ver o mundo, sempre há algo a ser dito. Eu acredito muito no dueto "texto-foto" — é onde minha forma de narrar se enquadra bem. Muitos livros e projetos ainda vão virar realidade. O mundo é intrigante, é vasto. Sempre podemos dizer alguma coisa. Sempre há uma mensagem a ser dita. Este meu singelo A Marcha do Sal penso que seja um relato sobre ser bom, sobre uma pessoa boa. Uma história sobre amor.