Sem eles (aqui entendidos como pessoas sem distinção de gênero), a esta altura estaríamos contando os mortos aos milhares. Sem eles, a esta hora teríamos uma multidão de famintos. Sem eles, neste fim de semana o Rio Grande do Sul estaria vivendo uma guerra civil. Benditos sejam os voluntários que deixaram o conforto de suas casas no seco para ajudar quem estava nos telhados pedindo socorro.
Eles surgiram de todos os lados, até de outros Estados, com seus barcos, botes, lanchas, jet skis, quando entenderam que a catástrofe climática que entrará para a história como “a enchente de 2024” era mais devastadora que os grandes furacões.
Desde sábado, eles recolhem e entregam doações, separam roupas por tamanho, montam guarda na porta de banheiros, transmutam-se em seguranças desarmados. Arrastam barcos, molham-se na água barrenta que invadiu a cidade, entram nas casas alagadas para salvar pessoas e bichos, convencem moradores resistes a sair de casa, explicando que é questão de vida ou morte.
Dirigem caminhões por estradas intransitáveis, levantam na força do braço os fardos de água, transportam a solidariedade alheia. Eles cozinham, servem refeições, brincam com crianças, dão atendimento médico e psicológico, distribuem roupas de acordo com o tamanho, preocupam-se em tornar o mais digno possível os abrigos.
Eles recolhem gatos ariscos em gaiolas, cachorrinhos dóceis e assustados e até cães de guarda, bravos, que precisam ser anestesiados para colocar a focinheira. Seguem a orientação das autoridades: não deixar ninguém para trás.
Quando pessoas e animais chegam ao seco, estressados, famintos ou com hipotermia, eles acolhem, acalmam, cobrem com manta térmica, examinam, encaminham para o destino mais adequado. Eles estão em todos os lugares, fazendo conexões entre quem precisa e quem tem para doar, pedindo ajuda às grandes empresas, sugerindo rotas, convencendo os CEOs das grandes corporações de que precisam ser solidários. São estrategistas que compensam a distância física com a proximidade do afeto.
Eles não ficam famosos como o cavalo Caramelo, que resistiu sabe-se lá quanto tempo e foi resgatado. O crachá é o nome escrito numa fita crepe colada ao colete ou à roupa, para que as pessoas saibam que estão falando com o Márcio, a Fernanda, o Antônio, a Manuela ou a Camila.
Eles são os heróis anônimos que não terão condecorações, mas estarão para sempre no coração de quem recebeu ajuda ou testemunhou essa onda de solidariedade.
Cada um no seu papel
O trabalho dos voluntários é complementar. Não prescinde das atividades das forças de segurança (federais, estaduais e municipais) nem da coordenação das autoridades encarregadas de organizar a estratégia de logística.
Só os bombeiros, os policiais, os integrantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, essenciais nos salvamentos em locais isolados, não dariam conta da imensa tarefa de salvar vidas em meio à calamidade. A integração das forças públicas tem sido crucial para o sucesso das operações. Os anjos que salvam vêm do céu, da terra e da água. Podem ser civis ou militares, eleitos ou designados. Importante é que estão formando a maior corrente de apoio que o Rio Grande do Sul já viu.
ALIÁS
Se todos os desocupados que ficam nas redes sociais criticando os que estão trabalhando entrassem na corrente que terá de crescer no processo de reconstrução, as forças seriam multiplicadas e a reinvenção do Estado ocorreria em menos tempo.