Às vésperas do Natal de 1994, quando o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso anunciou seu ministério, a novidade que guardara como segredo de Estado teve mais impacto do que toda a equipe escalada para comandar a política, a economia e os ministérios que fazem obras: Pelé seria o ministro do Esporte. Pelé, o rei do futebol, transformava-se na estrela de um ministério repleto de intelectuais, comandado pelo príncipe dos sociólogos.
“O Rei vai jogar na equipe de FH”, dizia a manchete de Zero Hora, de 22 de dezembro, no mesmo tom dos principais jornais do país.
— Ele é o símbolo do país que deu certo, e veio de baixo — disse FHC ao anunciar Pelé como ministro Extraordinário dos Esportes.
Não foi a habilidade na gestão que levou o ex-presidente a incluir Pelé no seu time. Edson Arantes do Nascimento nunca ocupara cargo público, nem demonstrara vocação para a política. Quando alguém perguntava se não seria candidato, respondia com ar de desdém:
— Já me candidatei a rei e ganhei.
Até então, a relação de Pelé com a política fora marcada por uma frase pronunciada à época da ditadura militar e que lhe rendeu a má vontade dos líderes de esquerda que veneravam sua habilidade com os pés, mas não toleravam sua intimidade com os militares:
— O brasileiro não está preparado para votar.
Foi por frases como essa que, anos mais tarde, o jogador Romário, hoje senador pelo Rio, carimbou Pelé com uma definição cruel:
— O Pelé calado é um poeta.
A esquerda não o perdoava por ter emprestado seu prestígio e permitido o uso de sua imagem pelos militares nas campanhas da Copa de 1970, no auge da repressão, quando o “Brasil, ame-o ou deixe-o” era o slogan da vez.
Fernando Henrique, um dos que deixaram o Brasil para viver no exílio, ignorou os revanchistas de plantão e convidou Pelé para sua equipe. O sociólogo pouco se importou com as dificuldades de Pelé com as palavras. Afinal, não o convidou para ser redator de discursos. O objetivo era usar a popularidade do rei do futebol — o brasileiro mais conhecido no planeta — como uma espécie de relações públicas do governo que se iniciava.
Eleito graças ao Plano Real, que debelara a inflação, FH queria projeção internacional. No organograma do governo, Pelé era ministro extraordinário dos Esportes. Na prática, era o embaixador do Brasil no mundo.
Com frequência, o ministro falava de si mesmo na terceira pessoa, um cacoete herdado das entrevistas à beira dos gramados. Era como se Pelé e Edson fossem duas personalidades distintas. Ele assinava documentos como Edson Arantes do Nascimento, mas nas viagens com Fernando Henrique autografava como Pelé.
Com um salário simbólico se comparado à sua fortuna, Pelé perdia dinheiro e não tinha paciência para a rotina entediante de Brasília, mas ficou mais de três anos no governo. Em maio de 1998, pediu demissão e voltou à vida de celebridade a quem empresas dos mais diversos ramos queriam ter como garoto-propaganda. Retomou a agenda de viagens e a vida de empresário bem-sucedido, administrador da poderosa marca Pelé.
— É o melhor relações públicas do mundo — disse nos anos 1990 o vice-presidente de publicidade do cartão Mastercard, Alex McKeveney, que o contratou para ser o rosto mundial de uma campanha.
No Ministério dos Esportes, Pelé empunhou a bandeira da modernização do futebol e a garantia dos direitos trabalhistas dos atletas. A sua Lei Pelé, de 25 de março de 1998, até hoje recebe críticas.
Em 2002, quando Lula foi eleito, a pergunta recorrente dos jornalistas era: quem será o Pelé do ministério petista? No Esporte, não havia comparação possível. Lula chamou o cantor Gilberto Gil para a Cultura e a ex-seringueira Marina Silva para o Meio Ambiente. Era uma tentativa de repetir a estratégia de FHC.
Pelé voltaria à política anos depois, ao ser nomeado pela presidente Dilma Rousseff, em 2011, embaixador honorário da Copa de 2014. Em 2013, foi alvo de críticas por sugerir que os torcedores deixassem de lado as manifestações de rua que tomavam conta do país e apoiassem a Seleção na Copa das Confederações.
— Quem está falando não é o Pelé. É o Edson, do tempo da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), torcedor brasileiro. Vamos esquecer toda essa confusão que está acontecendo e vamos pensar que a Seleção é o nosso país, é o nosso sangue. Não vamos vaiar a Seleção — apelou.
Pelé nunca demonstrou arrependimento pela afirmação de que o brasileiro não sabe votar. Pouco antes de ser ministro, foi perguntado se o povo já sabia votar.
— Não. O povo ainda mata a bola na canela quando vai às urnas. Veja a onda de corrupção no Congresso. Essa gente foi posta lá por eleitores que se deixaram enganar na hora do voto. Vamos continuar treinando e votar, votar, votar, até acertar no gol.
Na política, a expressão “sair como Pelé” serve para aconselhar um político a se aposentar antes de ser mandado para casa por vontade das urnas. Sair quando se está no auge. Mesmo que nem presidentes tenham conhecido reconhecimento mundial tão elevado.