Presidentes, governadores e prefeitos em fim de mandato costumam usar os últimos dois meses de governo para entregar obras e participar de eventos capazes de deixar saudade no eleitor. O presidente Jair Bolsonaro (PL) faz o contrário: sem ter formalizado a renúncia, abriu mão de governar. Já são mais de 15 dias de inanição, confinado no Palácio da Alvorada, numa espécie de luto imobilizador. Não ter ido à cúpula do G20 na Indonésia é o sinal mais eloquente dessa paralisia política.
Na única manifestação pública presencial, aquela de dois minutos depois de um silêncio que já inquietava seus aliados, o presidente agradeceu aos 58 milhões de brasileiros que votaram nele, disse que entendia e respeitava as manifestações "pacíficas" e saiu de cena sem pronunciar o nome do vencedor. Em seguida, entrou no palco o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, para dizer que estava autorizado por Bolsonaro a dar início à transição.
O presidente reapareceria depois em um vídeo para pedir aos manifestantes que desobstruíssem as estradas, ciente de que até os financiadores de sua campanha estavam tendo prejuízos com os bloqueios. Em breve conversa com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), coordenador da transição, deu a entender que não passará a faixa para o sucessor. Traduzindo, que se ninguém o convencer do contrário, deixará o Palácio do Planalto pela porta dos fundos.
Bolsonaro poderia ter ido ao G20 e aproveitado a viagem para participar da COP 27, no Egito, mas as mudanças climáticas nunca estiveram no centro das suas preocupações. Tendo decidido mandar um representante, abriu caminho para que Lula (PT) fosse convidado e ocupasse o lugar de principal autoridade brasileira. Duplo erro.
Restam ainda 46 dias de governo Bolsonaro. É possível que até 31 de dezembro ele decida transmitir o cargo, como manda a etiqueta, mas isso não é o mais relevante. Importante é saber o que fará de prático o presidente neste um mês e meio que lhe resta. Hoje, a impressão é de que quem governa é Ciro Nogueira.
O silêncio de Bolsonaro vem incomodando os líderes de seu partido, o PL, porque indica incapacidade para liderar a oposição ao governo que assumirá em 1º de janeiro.
ALIÁS
Se não está em condições físicas ou psicológicas de continuar governando, Jair Bolsonaro poderia ter passado o cargo ao vice, Hamilton Mourão (Republicanos), que agora eleito senador não tem qualquer impedimento para assumir e participar da transição.