Chamar de reforma ministerial o que o presidente Jair Bolsonaro está fazendo ao convidar o senador Ciro Nogueira (PP-PI) para ser o novo chefe da Casa Civil é mera licença poética. Trata-se do velho toma-lá-dá-cá, que Bolsonaro condenou na campanha, mas teve de se render diante da necessidade de manter o apoio do centrão. Bolsonaro é refém desse agrupamento de homens e mulheres com sede insaciável de poder que lembra muitas passagens da vida e obra de Gabriel García Márquez.
O colombiano que escreveu Cem Anos de Solidão tem um conto chamado Me Alquilo para Soñar, traduzido no Brasil como Me alugo para sonhar. Do centrão, convencionou-se dizer que seus integrantes não se vendem: alugam-se para o governante de plantão. Alugam-se não para sonhar, mas para aprovar projetos difíceis, evitar impeachment, garantir a chamada governabilidade. O preço? Cargos, benesses, poder.
Ciro Nogueira é um dos expoentes do centrão e não tem preconceito ideológico — nem convicção, pelo que se vê: já foi Lula convicto, aliado de Dilma Rousseff e agora é bolsonarista desde criancinha. Especialista em campanhas milionárias, na condição de presidente do Progressistas é senhor do raio e do trovão quando se trata de definir quem receberá quanto do fundão eleitoral. Os critérios passam longe do que se poderia chamar de republicanos.
Por que Bolsonaro está se entregando a esse grupo que na campanha fez o general Augusto Heleno cantar “se gritar pega centrão/ não fica um, meu irmão”? Por amor é que não é. Acuado pela queda de popularidade, pelas descobertas da CPI sobre esquemas de corrupção no Ministério da Saúde e por outros fantasmas que teimam em não se aquietar, como o da rachadinha no seu núcleo familiar, o presidente procura uma tábua de salvação. O centrão joga a boia — e apresenta a conta.
Bolsonaro trata de se garantir em duas frentes. De um lado, agradando ao centrão, de forma a também abortar uma possível candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pela terceira via. De outro, recriando o Ministério do Trabalho, para entregá-lo ao fiel Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que já foi ministro da Casa Civil e da Cidadania e hoje ocupa a Secretaria-Geral de Governo, para onde deve ser remanejado o general Luiz Eduardo Ramos.
A recriação do ministério do Trabalho a um ano e meio do fim do governo é desnecessária do ponto de vista administrativo e contraria mais uma promessa de campanha, a do enxugamento do ministério, mas quem se importa? Serão quase nove meses — o tempo de uma gestação — de vitrine para o ministro, que deve deixar o Executivo no início de abril para ser candidato.
Aliás
O convite a Ciro Nogueira para chefiar a Casa Civil é mais um indício de que Jair Bolsonaro, como na parábola do filho pródigo, retornará ao PP, que foi seu partido ao tempo em que era apenas um deputado do baixo clero.
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