Com a liberação de novos lotes da vacina da Pfizer, milhares de mães de adolescentes com comorbidades idênticas às dos adultos já vacinados passaram a enxergar uma luz no fim do túnel, mas dependem de uma decisão política do Ministério da Saúde. É que a vacina da Pfizer tem autorização da Anvisa para aplicação da partir dos 16 anos, mas o Plano Nacional de Imunizações não contempla esse público, que corre os mesmos riscos dos adultos em caso de contaminação pelo coronavírus.
Um movimento para que o plano seja revisto e inclua os adolescentes de 16 a 18 anos foi lançado pelo Instituto Abrace, ONG que há 15 anos atua nas causas latentes das “mães de UTI”.
— É inadmissível que tendo uma vacina aprovada e disponível para aplicação esse público - que tem risco altamente elevado - seja invisibilizado pelas autoridades — desabafa a presidente do Instituto Abrace, Denise Crispim.
Denise é mãe de Sofia, que tem paralisia cerebral, doença que causa comprometimento motor e respiratório grave. Prestes a completar 16 anos, a adolescente segue em isolamento rigoroso, sem acesso à reabilitação, como milhares de jovens em todo o país.
Esse universo, segundo a ONG, não é nem estimado pelas autoridades. As mães do Abrace estão fazendo por conta própria o levantamento de dados para mensurar o número de adolescentes com cardiopatia, problemas pulmonares graves, diabetes, entre outras comorbidades que deveriam estar no topo das prioridades da lista.
— Estamos reunindo estes dados através de um trabalho voluntário, de parceiros, e nossa estimativa é de que sejam cerca de 1,4 milhão de jovens entre 16 e 17 anos — diz Maju Miele, fundadora da ONG.
Desde o início da pandemia estes jovens convivem com a sombra do medo. Segundo Gabriela Mazza, integrante do Abrace, mãe de outra Sofia, adolescente que sofre de displasia broncopulmonar, os índices atuais apontam para altas taxas de mortalidade nesse público:
— Já é sabido que a conduta internacional prioriza as pessoas com comorbidades, por isso questionamos o porquê da não inclusão desse grupo no PNI, visto que já existe uma vacina aprovada para ele.
Em Porto Alegre, duas mães unidas pelo mesmo drama engrossam o coro pela vacina. Martine Kienzle Hagen é mãe de Tiago e Kelly Piazetta de Gabriel, ambos com 16 anos. Os dois têm a mesma cardiopatia congênita, a Transposição Corrigida dos Grandes Vasos, fizeram cirurgias no Children’s Hospital de Boston, quando eram crianças, e sonham com a vacina para poder retomar as aulas presenciais e uma vida o mais próximo possível do normal.
Martine e Kelly se conheceram ainda grávidas, por meio do médico que detectou o problema nos bebês. Os filhos cresceram juntos, são amigos e até o ano passado frequentavam a mesma escola, o Pastor Dohms, onde Tiago segue estudando. Gabriel foi para o Anchieta. Os dois meninos têm recomendação médica para fazer a vacina, mas não conseguem porque o Ministério da Saúde só libera a partir dos 18 anos.
Martine não entende o critério do Ministério da Saúde. Lembra que adolescentes na situação de Tiago e Gabriel têm prioridade na vacinação da H1N1 e precisam tomar antibiótico até para fazer profilaxia dentária, pelo risco de endocardite. Tiago caminha e anda de bicicleta, com todos os cuidados, mas só faz aulas em modo remoto e interage com os amigos pela internet. Gabriel, que precisou fazer outras três cirurgias em 2018, pediu um cachorro para amenizar a solidão do isolamento e ganhou um Husky para lhe fazer companhia. Kelly calcula que dos seus quase 17 anos, passou cerca de três em hospitais.
Cansada do que chama de “jogo de empurra das autoridades sanitárias”, Kelly entrou na Justiça pedindo uma liminar para garantir a vacina de Gabriel. A liminar foi negada com o argumento que que era preciso ouvir os demandados, no caso os governos municipal, estadual e federal.
Informada da demanda das mães, a secretária da Saúde, Arita Bergmann, decidiu abraçar a causa. Arita se comprometeu a levar à coordenação nacional do PNI o pedido para incluir, com urgência, os adolescentes de 16 a 18 anos no grupo prioritário e imunizá-los com a vacina da Pfizer.