Todos os anos, os dias que precedem o Natal são marcados pela expectativa do encontro. Chamamos de Natal em família e significava a melhor aglomeração do ano, principalmente até 2014, quando éramos uma tribo completa. Desde que perdemos o pai, ficou um espaço vazio que tentamos completar abraçando uns aos outros. Desta vez não vai dar. Seremos cinco grupos separados fisicamente, mas unidos pelo amor que nos sustenta desde a época em que não havia dinheiro para presentes de Natal e precisávamos dormir cedo também na noite de 24 de dezembro para economizar querosene do lampião.
Ficaremos distantes para preservar uns aos outros. Da nossa grande família de 17 pessoas, dois já tiveram a covid-19, felizmente com sintomas leves, e um recebeu o diagnóstico no sábado (19). Nossa mãe tem 78 anos e não deve ser exposta, mas contará com o pedaço da família que vive na nossa pequena cidade, hoje uma comunidade assustada pela disseminação do vírus quando já se imaginava livre e na lista dos que não perderam nenhuma vida para a covid-19.
A música Vida, da campanha de fim de ano do Grupo RBS, e o comercial de Natal do Zaffari sempre marcaram esses dias de dezembro. Agora ganharam novos tons de emoção, porque traduzem o momento difícil que estamos vivendo, com o sorriso guardado atrás da máscara e os encontros adiados.
No comercial do Zaffari, a imagem de mãe e filha preparando uma ceia que será só para as duas (e a menina, naquela inocência de que só as crianças são capazes de manter) me deixa com um nó na garganta, mesmo depois de rever incontáveis vezes. Tento responder a pergunta da criança: qual foi o meu Natal inesquecível?
Provavelmente o de 2014, quando tivemos nosso último encontro da família, mas não gosto de lembrar desse, porque o pai era então um homem entristecido por precisar de muleta para enfrentar as sequelas do AVC que lhe roubara parte da autonomia. Prefiro lembrar da primeira vez em que montamos um pinheirinho. O dinheiro era tão curto que só deu para comprar seis bolas coloridas, de um material que se quebrava com absurda facilidade. O pai, que semeava pinhões e nos deixou uma florestinha de araucárias como herança ambiental, concordou em cortar uma pequena árvore para ser o pinheirinho daquele Natal de 1970.
Enfeitamos com barba de de pau e lã de ovelha, porque a criatividade é uma forma de driblar a pobreza. Acrescentei o terço da minha primeira comunhão e rezei em silêncio para que Deus desse saúde a meus pais e a meus irmãos. Na falta de presépio, pusemos sob a árvore a imagem de Nossa Senhora Aparecida, presente da minha madrinha, e um cachorrinho de porcelana, que meus pais ganharam de casamento.
Parte da sala estava ocupada por sacos de trigo, porque chovia no galpão e era preciso preservar o pão do ano seguinte. Não deixa de ser simbólico que o alimento do corpo e do espírito de Natal dividissem o mesmo ambiente.
Neste ano difícil, quero compartilhar com os leitores deste espaço um presente que recebi do casal Isabela e José Fogaça. Eles, que também estão enfrentando a solidão desse isolamento sem fim, fizeram um show de Natal que pode unir na mesma corrente os nossos afetos distantes.