De todas as aberrações que fazem a política brasileira tão singular, existe uma que já deveria ter sido abolida por perda de validade, mas segue firme e forte porque atende aos interesses de quem poderia decretar sua extinção. Trata-se da figura do suplente de senador, um ser que não tem votos, mas herda o mandato em caso de morte, renúncia ou afastamento do titular, mesmo nos casos em que este é cassado por corrupção. O mais lógico seria a vaga ficar com o segundo mais votado, mas isso não convém aos fazedores de leis, porque significaria entregar a cadeira a um adversário político.
Essa figura, lembrada somente quando abre a vaga no Senado, voltou aos holofotes no episódio do senador de Roraima flagrado com mais de R$ 30 mil escondidos na cueca. A família de Chico Rodrigues (DEM) não ficará órfã de poder se ele for cassado por seus pares: o suplente é o filho Pedro Arthur Ferreira Rodrigues, 41 anos, que sem esforço algum herdará o mandato que só termina em 2026. Como se fosse uma capitania hereditária, a cadeira de senador passará de pai para filho mesmo que o motivo do afastamento definitivo seja o dinheiro sujo — em todos os sentidos — que recheava a cueca de Sua Excelência.
O dinheiro encontrado pela Polícia Federal na roupa íntima do senador é apenas a piada pronta que ilustra o provável processo por quebra de decoro na Comissão de Ética. Problema mesmo é o que vem antes: a origem desse dinheiro encontrado junto ao corpo e do restante, localizado na residência.
Chico Rodrigues é investigado em uma operação com o sugestivo nome de Desvid-19, que investiga um esquema de desvio de cerca de R$ 20 milhões em emendas parlamentares destinados à Secretaria de Saúde de Roraima para o combate à covid-19.
O senador teve a cara de pau de dizer, em nota, que “o lar invadido por apenas ter feito o seu trabalho como parlamentar” levando “recursos para o combate à covid-19 para a saúde do Estado”.
Se o dinheiro que guardava em casa fosse limpo, não teria motivo para escondê-lo na cueca com a chegada da polícia. Aliás, se limpo fosse, não estaria entesourado em casa. É para guardar dinheiro que pode ser rastreado sem medo da polícia que existem os bancos, mas na política brasileira existe uma estranha compulsão por notas saídas da Casa da Moeda, como se viu nas incontáveis fases da Operação Lava-Jato e nas transações imobiliárias da família Bolsonaro.
Chico Rodrigues não é o primeiro e nem será o último a indicar um rebento para a vaga de suplente. Antônio Carlos Magalhães (DEM), símbolo do coronelismo baiano, tinha como suplente um filho sem luz própria para disputar eleição, mesmo na carona do pai. ACM Júnior herdou o mandato quando o pai teve de renunciar no escândalo da violação do painel.
No Senado, se proliferam exemplos de mandatários que, caso se afastem ou sejam defenestrados dos cargos, deixarão a cadeira como herança para familiares. Presidente nacional do PP, Ciro Nogueira (PI) tem a mãe, Eliane Nogueira, como primeira suplente. Eduardo Braga (MDB-AM) levou somo substituta a esposa, Sandra Braga.
Aliás
Além do parentesco, outro critério bastante usado na indicação de suplentes de senador é o poder econômico. Tem sido comum o candidato indicar como suplente um financiador de campanha sem ligação com a política, mas com dinheiro no bolso para bancar a eleição.
Sem vínculos familiares
No Rio Grande do Sul, nenhum dos três senadores tem parentes ou financiadores de campanha como suplentes. Se Luis Carlos Heinze (PP), eleito em 2018, se eleger governador em 2022, como é seu desejo, assumirá o ex-prefeito de Tapera Ireneu Orth. A segunda suplente é a ex-secretária de Turismo de Caxias do Sul Drica de Lucena.
Os suplentes do senador Paulo Paim, também eleito em 2018, são a sindicalista Cleonice Back e a socióloga Reginete Bispo, ligada ao movimento negro.
Com mandato até 2022, o senador Lasier Martins foi eleito em 2014 tendo como suplentes o advogado Christopher Goulart, neto do ex-presidente João Goulart, e o procurador de Justiça aposentado Adilson Santos.
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