Porto Alegre lembrava o livro O Morro dos Ventos Uivantes na noite de sexta-feira (11) quando a candidatura de Gustavo Paim a prefeito, sepultada em um vídeo do próprio vice-prefeito, começou o processo de ressureição. Passava das 22h e os principais personagens das tensas reuniões de quinta e sexta-feira já estavam em casa, prontos para ir dormir. De São Borja, inconformado com a ideia de o PP ser coadjuvante na eleição da Capital, o senador Luis Carlos Heinze ligou para o presidente estadual do PP, Celso Bernardi, e disse que ainda havia tempo para reverter a situação.
Começava ali uma sequência de chamadas e trocas de mensagens que vararia a madrugada, lembrando a longa noite que antecedeu a convenção estadual de 2018, quando Heinze aceitou, enfim, ser senador, adiando por quatro anos o sonho de disputar o Piratini. Paim não sabe precisar a hora em que virou a chave e aceitou ser candidato, mas tem certeza de que, se chegou a cochilar, acordou convencido de que aceitaria a missão.
Em uma terceira ponta, no 15º andar do prédio em que mora no Centro Histórico, onde o vento açoitava as janelas, estava o secretário da Agricultura, Covatti Filho, outro entusiasta da candidatura própria. Com bom trânsito na executiva nacional do PP e articulado com o presidente, Ciro Nogueira, Covattinho foi peça decisiva, ao lado de Heinze e Bernardi, para reverter o quadro desenhado na sexta-feira. Com a saída do Paim, anunciada em um vídeo considerado “infeliz” por líderes do PP, o partido havia marcado para a terça-feira (15) a votação que escolheria entre José Fortunati (PTB) e Sebastião Melo (MDB). Os dois seriam ouvidos na segunda-feira e apresentariam suas credenciais.
Dinheiro garantido
Ter de escolher entre Melo e Fortunati não agradava a Heinze, Covattinho e outros detentores de mandato. Como a decisão seria do diretório municipal, a tendência era de aprovação da aliança com Fortunati, mas na garganta dos mais graduados estava atravessada a desastrada articulação com o PTB, que resultou no registro da chapa Fortunati-Vitinho Alcântara para ser votada na convenção. A despeito da decisão tomada na sexta-feira, de não colocar nada em votação, os defensores da aliança com o PTB mantinham a intenção de referendar o acordo na convenção.
Para convencer Paim, era preciso, antes desatar o nó do financiamento da campanha que, mesmo modesta, custará no mínimo R$ 1,5 milhão. Covattinho se comprometeu a conversar com a direção nacional, Pedro Westphalen ofereceu R$ 100 mil da cota que lhe cabe no fundo eleitoral e Heinze resolveu a parada com a objetividade germânica:
— O que faltar eu cubro com a minha cota.
Aqui é preciso fazer um parêntese. Como não existe regra para a distribuição dos recursos do fundo eleitoral, cada partido define seus critérios. No PP, Ciro Nogueira entrega uma fatia para cada deputado federal e senador, mas deixa de fora os que votaram contra a criação do fundo, caso de Jerônimo Goergen e Afonso Hamm. Heinze tem R$ 3 milhões para investir na campanha dos candidatos de sua preferência. O diretório regional distribui o dinheiro de acordo com o tamanho do eleitorado.
Guizo no pescoço do gato
Resolvido o problema do dinheiro, era preciso “amarrar o guizo no pescoço do gato”: convencer Paim a aceitar. De novo, os detentores de mandato tomaram a frente em sucessivos telefonemas para o vice-prefeito. Deputados federais, deputados estaduais, prefeitos e vereadores entraram na corrente. Àquela altura, Paim já estava impactado positivamente com os comentários de eleitores do PP e de pessoas sem partido, que lamentavam sua saída.
— Foi impressionante a quantidade de manifestações. Era tanta gente se dizendo órfã que eu até brinquei que se tivessem falado antes eu estaria no segundo turno — contou Paim à coluna, por telefone, no final da tarde de sábado.
O deputado Marcel van Hattem (Novo) escreveu que estava se sentindo “sem paim nem mãe”. Como o Novo não terá candidato e não dará apoio institucional a ninguém, Paim espera contar com outros nomes além de Van Hattem. O vereador Felipe Camozatto disse que, com a saída de Paim, estava sem opção.
— Agora vou cobrar esses votos — brinca Paim, que se apresentará na campanha como um conciliador de centro-direita, liberal na economia, conservador nos próprios costumes, mas tolerante com os costumes alheios.
Depois de convencer Paim, era preciso amarrar outro guizo, agora no pescoço dos que insistiam em colocar em votação o apoio a Fortunati. Bernardi marcou um encontro com Ronaldo Napoleão, vice-presidente do PP em Porto Alegre, para combinar a retirada da proposta de aliança com o PTB, registrada na noite de terça-feira, sem que Paim e os líderes estaduais tivessem sido informados.
Discurso reescrito
om todas as pontas amarradas, a convenção, com a maioria dos delegados participando de forma virtual, aclamou Paim como candidato, confiante de que conseguiria manter o apoio do PRTB e do Avante. Para o PRTB, era tarde demais. Tão logo Paim divulgou o vídeo em que renunciava à candidatura, o ex-secretário Cezar Schirmer entrou em campo e garantiu o apoio do PRTB, confirmado na convenção realizada na tarde de sábado.
— A família progressista está unida novamente e temos condições de brigar pelo segundo turno — comemorou Paim, reescrevendo o discurso do vídeo, de que o excesso de candidatos favorecia uma final dentre Manuela D’Ávila (PCdoB) e Nelson Marchezan (PSDB).