Então chegou agosto, o mês em que completo 60 anos. A natureza deu-me um presente antecipado: floresceu a orquídea mais rara do jardim, aninhada no tronco de um ipê roxo. Comprei a muda no escuro, há quase três anos, e já no primeiro agosto desabrochou. Interpreto como um bom sinal nestes tempos em que precisamos tanto de esperança.
Nunca escondi a idade, porque encaro o passar dos anos com a naturalidade que a vida exige, mas neste ano sinto-me tentada a congelar os 59 até que possa comemorar com os amigos e receber todos os abraços represados. Meus dois filhos também tiveram aniversários sem festa, em março e julho,
Por ter nascido em 1960, nos últimos anos planejei mil formas de celebrar e agradecer por ter chegado até aqui com saúde, uma família que dá sentido aos meus dias e um trabalho que me desafia o tempo todo. Não deu, paciência. Isso tudo vai passar e sairemos mais fortes.
O primeiro plano cancelado foi o da viagem. Já em março, quando passamos a trabalhar de casa, concluí que seria preciso adiar a ideia de celebrar os 60 revisitando lugares inesquecíveis ou realizando o sonho de conhecer outras paisagens. O segundo foi o de reunir aqueles amigos e amigas a quem sei que posso chamar no meio da noite em caso de emergência. Não são muitos, mas daria uma bela aglomeração. O terceiro projeto adiado era mais simples, mas também ficou comprometido: um almoço dos 16 que formam nosso núcleo familiar. Também não haverá o bolinho na redação de ZH, tradição que sempre fiz questão de manter porque gosto, de fato, de fazer aniversário.
Tempos difíceis exigem capacidade de adaptação. Não foi isso que aprendemos com Darwin sobre a evolução das espécies? Viver é adaptar-se e não temos feito outra coisa desde a metade de março. Já não me pergunto “até quando?”. Cultivo a esperança de que na primavera, minha estação preferida, a vida comece a voltar ao normal com segurança. Para esperá-la, semeei flores na tarde de sábado. Quando setembro chegar, estaremos mais próximos da vacina e da liberdade.