O outono chegou de fato. O plátano da frente do prédio começa a ficar dourado. Nenhuma nuvem no céu nesta quarta-feira que divide abril ao meio, mas há um temporal se armando além do horizonte. São os dias difíceis de que falam as autoridades, mirando as estatísticas dos países onde o coronavírus chegou antes para calcular o pico da pandemia.
Hoje a Mariana Fritsch, colega querida de ZH, perguntou sobre a minha rotina na quarentena. Queria saber se estou fazendo alguma coisa diferente. Se estou lendo, meditando, cozinhando, aprendendo um idioma. Contei que estou escrevendo o Diário do Isolamento com a pretensão de contribuir para a história da pandemia em Porto Alegre.
Enquanto pensava no que mais dizer à Mariana, resolvi compartilhar coisas do cotidiano porque tenho perdido a paciência com alguns juízes de internet que vêm com aquele papo furado de dizer "ah, mas pra ti que tem o salário garantido e a geladeira cheia é fácil falar para os outros ficarem em casa e ficar maratonando séries e vendo filmes".
Com exceção da geladeira, que mantenho com o essencial para uma família de quatro pessoas, nada mais distante do meu dia a dia nesta quarentena que completou 30 dias. Nunca tive salário garantido nestes quase 44 anos de carteira assinada. Jamais fiquei desempregada, mas sempre soube que na iniciativa privada não se tem estabilidade. Em momentos de crise como este, ninguém tem como saber o que será o amanhã. Por ora, minha preocupação número 1 é continuar viva. Adoraria estar usando esse tempo para melhorar meu inglês, mas, quando?
Maratonar é um verbo que não faz parte do meu vocabulário, porque o tempo é sempre escasso. Agora mesmo, estou trabalhando como nunca, porque às atividades profissionais somou-se o trabalho doméstico, que mesmo com a divisão de tarefas é chato e cansativo. Vi apenas um filme, li somente um livro e sequer consegui continuar com a série O Tempo Entre Costuras, baseado no excelente livro de Maria Dueñas, que comecei nas férias, em fevereiro.
Ginástica? Ficou na boa intenção. Que o Rafa não saiba, mas ficou no celular a série de exercícios que deveria fazer três vezes por semana.
Para tomar um pouco de sol, caminho pelo pátio do prédio, ando pela garagem vazia. Na semana passada tropecei na rampinha de acessibilidade e me estatelei no chão. Resultado: joelho esquerdo e cotovelo direito esfolados e uma penitência de cinco dias sem playground. Hoje foram 5.179 passos.
Não sou do tipo que acha glamouroso postar foto no Instagram de vassoura ou aspirador de pó na mão. Cozinho com algum prazer, produzi três bolos em um mês, mas detesto fazer limpeza. Deus, de onde sai tanto pó que a gente não dá conta? E as roupas, que saem amarfanhadas da máquina? Quando meus filhos eram pequenos, achava que a maior invenção da humanidade era a fralda descartável. Hoje, respondo sem hesitar que é a máquina de lavar pratos.
Nesses 30 dias, duas palavras martelam meu cérebro o tempo todo: coronavírus e covid-19. Tudo gira em torno delas.
Como vou me concentrar em A Livraria Mágica de Paris, se enquanto deslizo no barco livraria pelas águas do Sena pode sair o substituto do ministro Luiz Henrique Mandetta, que está pendurado por um fio de seda? Mandetta deu mais uma entrevista, desta vez para a revista Veja. Disse que fica no governo até encontrarem um substituto e descartou a possibilidade de continuar:
- Não, não. São 60 dias nessa batalha. Isso cansa. Sessenta dias tendo de medir palavras.