Três metros separam minha estação de trabalho da mesa em que minha filha passa o dia diante do computador, com fones de ouvido, editando vídeos. Luiza nasceu digital, filha de pais analógicos que se alfabetizaram em “informática” perto de completar 30 anos. Às vezes, levanta e me interrompe para mostrar um meme, comentar uma brincadeira do TicToc, protestar contra alguma aberração que lhe chega pelas diferentes redes em que passa o dia conectada.
Quando me perguntou se eu tinha um tempinho, que queria me mostrar uma coisa, parei o texto que estava escrevendo e fui até o computador dela.
— Você escreve um diário para a história do coronavírus. Eu fiz um vídeo para a minha cápsula do tempo. Quer ver?
Vi e, sensível como ando diante dessa tragédia que se abate sobre o planeta, chorei de emoção. Eu não sabia que aqui a meu lado ela estava produzindo uma reflexão sobre como sairemos e que lições levaremos desse período dramático. Juntando imagens de quatro viagens, que são também minhas, porque ainda viajamos juntas, minha filha narrou em inglês, com legendas em português, suas inquietações e descobertas dos primeiros 10 dias de isolamento.
Ganhei autorização para publicar no meu Instagram e compartilhei com amigos o vídeo que agora está também no YouTube, apresentado assim, em linguagem informal e com gírias típicas dos seus 24 anos: “Tava com umas coisas me incomodando a cabeça ontem e decidi fazer um vídeo pra, daqui 30 anos, quando alguém perguntar o que eu tava fazendo na quarentena de 2020, eu possa dizer algo além de trampo e vídeo games. O texto é meu, a voz é minha (infelizmente) e as imagens também, só a trilha sonora que não. O vídeo foi captado em quatro cidades: Nova York (EUA), Havana (CUBA), Paraty (BRA) e Cartagena (COL). Agora, por que tá em inglês? Nem eu sei, fui meio no feeling. É isso, bjs se cuidem e fiquem em casa”.
Será que sairemos melhores? Ou corremos o risco de nos tornarmos mais egoístas nos pós-guerra? Será que construiremos uma nação mais solidária? Será que gastaremos energia com o que realmente interessa ou acirraremos nossos conflitos? Hoje o que mais quero é que possamos sair vivos e sem sequelas, físicas ou psicológicas.
Sei que será difícil lidar com o sofrimento que causam as más notícias. Hoje, mesmo, pretendia escrever sobre esperança, mas o dia terminou com novo recorde de mortes na Itália (919 em 24 horas). Aqui a curva segue ascendente e as autoridades repetem que estamos recém no começo, na base da montanha. A contabilidade oficial, que pode estar atrasada porque ainda não saíram os resultados de todos os testes de pacientes mortos nos últimos dias indica 92 mortes e 3.417 casos confirmados.
Enquanto o mundo se fecha e o presidente Donald Trump apela para que os americanos fiquem em casam para salvar vidas e o primeiro ministro britânico Boris Johnson, contaminado, muda o discurso antes contrário ao isolamento, aqui o silêncio da tarde foi quebrado pelo buzinaço dos carros em manifestação pelo abrandamento das restrições à circulação de pessoas.
Temo que estejamos caminhando para um cenário semelhante ao da Itália. Nunca torci tanto para estar errada.