Jornalista formada pela PUCRS, colunista de Política de ZH e apresentadora do programa Gaúcha Atualidade, na Rádio Gaúcha.

Diário do isolamento - Dia 11

O que será de nós depois que esta tempestade passar?

Minha filha fez um vídeo para sua cápsula do tempo e eu me obriguei a refletir sobre o dia depois de amanhã

Rosane de Oliveira

Enviar email
Isadora Neumann / Agencia RBS
No dia em que 919 morreram na Itália e outros países se fecharam, em Porto Alegre teve carreata contra a quarentena

Três metros separam minha estação de trabalho da mesa em que minha filha passa o dia diante do computador, com fones de ouvido, editando vídeos. Luiza nasceu digital, filha de pais analógicos que se alfabetizaram em “informática”  perto de completar 30 anos. Às vezes, levanta e me interrompe para mostrar um meme, comentar uma brincadeira do TicToc, protestar contra alguma aberração que lhe chega pelas diferentes redes em que passa o dia conectada. 

Quando me perguntou se eu tinha um tempinho, que queria me mostrar uma coisa, parei o texto que estava escrevendo e fui até o computador dela. 

— Você escreve um diário para a história do coronavírus. Eu fiz um vídeo para a minha cápsula do tempo. Quer ver?

Vi e, sensível como ando diante dessa tragédia que se abate sobre o planeta, chorei de emoção. Eu não sabia que aqui a meu lado ela estava produzindo uma reflexão sobre como sairemos e que lições levaremos desse período dramático. Juntando imagens de quatro viagens, que são também minhas, porque ainda viajamos juntas, minha filha narrou em inglês, com legendas em português, suas inquietações e descobertas dos primeiros 10 dias de isolamento.  

Ganhei autorização para publicar no meu Instagram e compartilhei com amigos o vídeo que agora está também no YouTube, apresentado assim, em linguagem informal e com gírias típicas dos seus 24 anos:  “Tava com umas coisas me incomodando a cabeça ontem e decidi fazer um vídeo pra, daqui 30 anos, quando alguém perguntar o que eu tava fazendo na quarentena de 2020, eu possa dizer algo além de trampo e vídeo games. O texto é meu, a voz é minha (infelizmente) e as imagens também, só a trilha sonora que não. O vídeo foi captado em quatro cidades: Nova York (EUA), Havana (CUBA), Paraty (BRA) e Cartagena (COL). Agora, por que tá em inglês? Nem eu sei, fui meio no feeling. É isso, bjs se cuidem e fiquem em casa”.

Será que sairemos melhores? Ou corremos o risco de nos tornarmos mais egoístas nos pós-guerra? Será que construiremos uma nação mais solidária? Será que gastaremos energia com o que realmente interessa ou acirraremos nossos conflitos? Hoje o que mais quero é que possamos sair vivos e sem sequelas, físicas ou psicológicas.

Sei que será difícil lidar com o sofrimento que causam as más notícias. Hoje, mesmo, pretendia escrever sobre esperança, mas o dia terminou com novo recorde de mortes na Itália (919 em 24 horas). Aqui a curva segue ascendente e as autoridades repetem que estamos recém no começo, na base da montanha. A contabilidade oficial, que pode estar atrasada porque  ainda não saíram os resultados de todos os testes de pacientes mortos nos últimos dias indica 92 mortes e 3.417 casos confirmados.

Enquanto o mundo se fecha e o presidente Donald Trump apela para que os americanos fiquem em casam para salvar vidas e o primeiro ministro britânico Boris Johnson, contaminado, muda o discurso antes contrário ao isolamento, aqui o silêncio da tarde foi quebrado pelo buzinaço dos carros em manifestação pelo abrandamento das restrições à circulação de pessoas.

Temo que estejamos caminhando para um cenário semelhante ao da Itália. Nunca torci tanto para estar errada.  


GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais
RBS BRAND STUDIO

Perimetral

04:00 - 05:00