Estamos seguindo à risca a orientação de ficar em casa e só sair em caso de necessidade absoluta, como ir à farmácia ou ao supermercado. Moramos em um apartamento em Porto Alegre, mas temos um pequeno sítio, com jardim, horta e um cachorrinho que nos espera nos fins de semana. Depois de avaliar os prós e os contras, concluímos que não há risco em trocar o confinamento na cidade por um ou dois dias de sol e contato com a terra. Descemos do elevador direto na garagem, desinfetamos as mãos e pegamos a estrada. Lá chegando, lavamos as mãos e passamos o fim de semana só falando com os vizinhos pela cerca e sem perder o contato com as notícias.
A estrada nunca esteve tão vazia. Pouquíssimos carros. Só os caminhões seguem circulando para garantir o abastecimento.
No sábado, tudo o que eu queria era estar com a minha mãe e os meus irmãos, porque 28 de março é um dia triste demais para todos nós. Faz exatos cinco anos que o pai nos deixou, às vésperas de completar 80 anos. Tínhamos a sensação de que era imortal, mas um AVC provou que não. Ficamos cada um no seu canto, trocando mensagens amenas. Fizemos de conta que não era 28 de março.
Os infectologistas dizem que, por maior que seja a saudade e o desejo do abraço, agora as visitas são desaconselhadas. Dona Sinda vai fazer 78 anos em 10 de maio que, por coincidência, é Dia das Mães. Só peço a Deus que até lá a vida volte ao normal, para que não tenhamos de festejar mandando bolos e flores virtuais.
Estar de folga tem tempos de coronavírus significa não desligar. As notícias piscam na tela do celular. Os amigos mandam mensagens. Os que estão de plantão atualizam tudo no grupo de WhatsApp. No sábado à tarde estava de bobeira pensando na falta de chuva que ressecou a grama quando uma amiga avisou: “Liga a TV que parece que o Mandetta vai renunciar”. Corri para a TV e, com alívio, acompanhei toda a entrevista do ministro e sua garantia de que não pensa em pedir demissão. Que só sai se for demitido, se ficar doente ou se, quando as coisas voltarem ao normal, concluir que sua missão está cumprida. Por tudo o que disse na entrevista e pela serenidade na condução da crise, desenhei no ar um cartaz imaginário com a expressão “Fica, Mandetta”.
O balanço de sábado apontou 114 mortes e 3.904 casos de pacientes confirmados com a covid-19. Há dezenas de pessoas em UTIs, mas o sistema ainda está dando conta. E segue a construção de hospitais de campanha, em preparação para a guerra.
Dormi cedo e acordei tarde, como convém numa manhã de domingo. Antes de começar a fazer o almoço, veio a bomba do dia: contrariando a orientação do ministro Mandetta e na contramão do que o mundo está fazendo, o presidente da República foi para a periferia de Brasília circular pelo comércio e defender sua tese de que o Brasil não pode parar. Os detalhes estão amplamente divulgados no noticiário. Registro apenas a conclusão a que cheguei a partir dos episódios do fim de semana: o Brasil tem dois governos. Um oficial, comandado por Jair Bolsonaro e seus filhos aloprados, e outro paralelo, chefiado pelo ministro da Saúde e com o qual demonstram estar alinhados o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Com o sistema de saúde em colapso em Nova York, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estendeu o período de isolamento social até 30 de abril. A situação piora nos Estados Unidos, na Itália e na Espanha. E o presidente brasileiro, teve dois posts apagados pelo Twitter.
Balanço do dia, que pode estar subestimado porque faltam kits de teste: 136 mortes e 4.256 casos. E o presidente brasileiro contrariando os cientistas.