Aprovados com ampla maioria dos votos na Assembleia, os projetos que autorizam o governador Eduardo Leite a privatizar CEEE, Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração (CRM) eram o último obstáculo para o Rio Grande do Sul aderir ao regime de recuperação fiscal. A partir da sanção dos textos, Leite entregará sua proposta de ajuste à Secretaria do Tesouro Nacional, que vai dizer se o Estado está cumprindo todos os requisitos e se está apto a participar do socorro.
Desde a metade de 2017 o governo, amparado por uma liminar do Supremo Tribunal Federal, não paga a parcela da dívida com a União. Se aderir ao regime, seguirá não pagando por três anos, período que poderá ser prorrogado por mais três. Hoje, o Estado tem dívidas que representam 223% de sua receita e ultrapassa, portanto, o limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 200%. O feito proíbe o Rio Grande do Sul de contratar novos financiamentos. Ao fechar a negociação, com o aval do governo federal, a Lei de Responsabilidade seria superada porque Leite daria ao banco as estatais como garantia. Na prática, ele antecipará o valor da venda das companhias públicas.
Com o dinheiro, o governador afirmou que vai pagar os passivos que comprometem parte da arrecadação. Todos os meses, além de outras dívidas com fornecedores, há repasses para quitar parcela do 13º salário de 2018 do Executivo (cerca de R$ 130 milhões), parcela dos precatórios (R$ 50 milhões) e parcela do atrasado da saúde (R$ 13,5 milhões). Além disso, o governo pode repor parte do caixa dos depósitos judiciais. Embora não esteja resgatando recursos de lá, só em pagamento dos juros do que já foi retirado em anos anteriores gasta R$ 40 milhões por mês.
Com o empréstimo, seria possível quitar essas despesas (menos a totalidade dos precatórios e dos depósitos judiciais) que hoje estão sendo parceladas. Fazendo isso, o Estado abriria espaço para começar a pagar em dia o funcionalismo, promessa de campanha. Leite espera aderir ao regime e contratar o empréstimo, que seria no valor equivalente à venda de CEEE, Sulgás e CRM, até o fim do ano.
Para que tudo corra como o previsto, o governo do Estado terá de cumprir o que prometerá à Secretaria do Tesouro Nacional em seu plano de ajuste fiscal. Vai ter de se articular para aprovar na Assembleia a extinção de benefícios e vantagens de servidores públicos, além de outras propostas que atingem o funcionalismo.
Com a confirmação da retirada de Estados e municípios da reforma da Previdência do governo federal, caberá ao Piratini propor também mudanças nos regimes de aposentadoria de professores, policiais militares e civis. Se o ambiente favorável no Legislativo não mudar até o fim do ano, é provável que Leite consiga cumprir o que planejou para o regime.
Aliás
O governador Eduardo Leite assegura que os funcionários da CEEE terão estabilidade de pelo menos seis meses após o setor privado assumir a companhia. O processo deve ter início a partir da metade do ano que vem. O PT havia proposto emenda com estabilidade por dois anos, mas ela nem sequer foi apreciada.
Discurso afinado com o MDB
Principal crítica da base aliada em relação à destinação dos recursos das privatizações, a bancada do MDB na Assembleia Legislativa superou a discordância com o governo e entregou os votos a favor da venda das estatais. O partido foi coerente com o que defendia José Ivo Sartori (MDB) até o ano passado. Apenas Tiago Simon (MDB) divergiu dos colegas no apoio ao projeto da Sulgás. Ele se absteve por avaliar que a companhia é “rentável, enxuta e competitiva”.
Em café da manhã organizado pelo governador Eduardo Leite com deputados aliados, nesta terça-feira (2), o primeiro a falar foi o deputado Edson Brum, que precisava sair do encontro para comandar sessão da Comissão de Constituição e Justiça.
– O MDB tem dúvidas sobre o ativo e o passivo das empresas, mas não vamos fugir à responsabilidade – disse Brum.
O líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP), que nos últimos 15 dias intensificou as articulações com deputados, havia recomendado aos colegas que tivessem atenção com o quórum. Em momento de distração, como já fez em outras ocasiões, a oposição poderia pedir verificação de presença e derrubar a sessão, o que acabou não ocorrendo. No plenário, os 55 parlamentares estavam presentes.
Nem o grande expediente, momento usado por deputados para fazer homenagens e destaques antes das votações, aconteceu. Antunes pediu e Tiago Simon, proponente do período desta terça-feira, aceitou fazê-lo em outra data. O líder do governo argumentou que queria agilizar o andamento da sessão, que terminou por volta das 21h30min.
Depois do café, onde detalhou mais uma vez as propostas de privatização, Leite cumpriu a agenda programada até o meio-dia. Na parte da tarde, acompanhou as votações na ala residencial do Piratini. O governador dividiu o tempo despachando com secretários e gravando vídeos solicitados por sua equipe.
Leite sabia que a maior resistência estava no projeto que autorizava a venda da CEEE, estatal com quase 4 mil funcionários. Depois de aprovada a proposta, o governador conseguiu respirar aliviado e cumprimentou o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, que participou ativamente das articulações e estava assistindo à sessão no mesmo local. Minutos depois, ligaram para Antunes para agradecer a ele e aos colegas.
O governador não acompanhou a votação até o fim. Às 19h30min deixou o Piratini para ir à posse da diretoria do Instituto de Estudos Empresariais.