Quando um usuário do WhatsApp entra no aplicativo, escolhe entre cinco ícones: status, ligações, câmera, conversas e ajustes. Só esse detalhe é suficiente para caracterizar como "conversa" qualquer diálogo travado entre duas pessoas ou mesmo em grupos, por áudio, vídeo ou texto.
A divulgação dos áudios trocados entre o presidente Jair Bolsonaro e o agora ex-ministro Gustavo Bebianno confirma que quem mentiu foi o vereador Carlos Bolsonaro, ao escrever no Twitter que esteve 24 horas ao lado do pai no Hospital Albert Einstein e que ele nunca conversou com o então secretário-geral da Presidência.
Demitido e ferido, Bebianno tornou públicas as provas de que — questões semânticas à parte — ele conversou com Bolsonaro. O conteúdo dos áudios não compromete o presidente no ponto nevrálgico do laranjal do PSL. Ele cobra de Bebianno explicações sobre a liberação de recursos para candidatos sem futuro e o advogado se defende, dizendo que repassou dinheiro do fundo eleitoral conforme pedido dos diretórios regionais. O problema dos áudios é a exposição gratuita da figura presidencial em conversas que revelam falta de compostura e seu descuido no uso das redes sociais.
Bolsonaro — ou o filho, usando seu telefone pessoal — retuitou o post em que Carlos chamava Bebianno de mentiroso por ter dito que conversou três vezes com o presidente e que não havia crise. Regra básica do Twitter: quem retuíta avaliza o que o autor da mensagem está dizendo.
O presidente chamou seu ministro de mentiroso. Era quarta-feira. Em vez de demiti-lo naquele dia, manteve o processo de fritura durante o fim de semana, até exonerá-lo na segunda-feira com uma justificativa truncada e com elogios ao demitido, feitos em vídeo cujo texto leu sem muita convicção. Pior ainda foi a explicação do porta-voz da Presidência, alegando que Bebianno foi exonerado por razões de "foro íntimo" do presidente.
Os áudios revelam, ainda, o estilo Bolsonaro de governar com o fígado. A grande divergência com Bebianno não é nem o financiamento da campanha de candidatas laranjas, mas o fato de o então ministro ter se disposto a receber em audiência o vice-presidente de Relações Institucionais da Rede Globo, Paulo Tonet Camargo. O presidente manda Bebianno cancelar a audiência — que estava na agenda pública — com a alegação de que a Globo é inimiga. O curioso é que dois outros ministros, os generais Augusto e Heleno e Santos Cruz, receberam o diretor da empresa com a naturalidade e a transparência que devem caracterizar as relações institucionais.
Nos diálogos, Bebianno reclama que o presidente está "envenenado". E, para surpresa de quem o considerava um arrivista, demonstra maturidade em sua tentativa de convencer o presidente a não alimentar uma crise que poderia ter sido debelada no início, não fosse a intromissão do filho do meio em questões de Estado.