Esqueça as teorias conspiratórias e as simplificações sobre as finanças públicas. O governo do Estado não pagou e não pagará nesta quarta-feira (31) um centavo sequer dos salários de outubro pelo mesmo motivo que vem atrasando a folha desde agosto de 2015: falta de dinheiro. Quem acompanha a situação do caixa sabe que a situação se agrava mês a mês e que as mágicas se acabaram. Há mais de um ano a Secretaria da Fazenda vem alertando que é uma questão de tempo uma folha encostar na outra. Este momento, infelizmente, chegou. A primeira faixa salarial será paga somente no dia 12 de novembro. É provável que a última faixa só seja quitada em dezembro, o que torna ainda mais dramático o fechamento do ano, quando é preciso pagar o 13º salário.
A pergunta não é "por que agora?", mas "como se conseguiu evitar que o estouro ocorresse antes?". O governador José Ivo Sartori não atrasou os salários por maldade ou porque esteja querendo descontar nos servidores públicos a frustração pela derrota. Nada disso. Dizer que os cofres estão raspados é um eufemismo. Não só falta dinheiro em caixa, como o pagamento de contas vem sendo postergado mês a mês. Só de salários, ficou mais de R$ 1 bilhão de setembro para pagar em outubro. Quanto mais a quitação dos débitos avança para o mês seguinte, menor é a arrecadação disponível no final do mês.
Como a quitação dos salários de setembro só ocorreu dia 25 de outubro, restaram apenas quatro dias úteis de arrecadação para pagar as contas do mês. A maior parte desse dinheiro foi para os outros poderes. O duodécimo consumiu R$ 340 milhões da arrecadação do final de outubro.
Não houve opção por pagar outros fornecedores e retardar o pagamento da folha. Pelo contrário. A crise também está sendo sentida por prestadores de serviço e fornecedores de produtos. Os atrasos, em geral, passam de três meses. Pela primeira vez, os empréstimos consignados não foram repassados aos bancos e associações de servidores dentro do mês. A previsão é pagar somente no dia 9 de novembro.
A corda só não estourou antes porque o governo conseguiu receitas extraordinárias ao longo dos últimos três anos e meio. Primeiro, ampliou de 85% para 95% do saldo os saques dos depósitos judiciais — e isso rendeu R$ 1 bilhão no primeiro ano de governo. Hoje, esta fonte está esgotada. Desde janeiro, o governo não faz saques porque existe uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para suspender esses empréstimos de recursos de terceiros. outro motivo é que, para aderir ao regime de recuperação fiscal, a Secretaria do Tesouro Nacional determinou a suspensão dos saques.
Em 2016, no segundo ano do governo Sartori, o Piratini venceu a folha de pagamento do Banrisul e reforçou o caixa com mais R$ 1,2 bilhão. O saco de mágicas incluiu a antecipação de créditos, pela General Motors, com desconto, naturalmente.
— Estamos vendendo o futuro para pagar o passado — dizia o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, referindo-se à antecipação dos pagamentos devidos pela GM.
Em outro momento de aperto, em abril deste ano, o Piratini fez uma operação de venda de parte de suas ações no Banrisul para fazer caixa. Nada disso foi suficiente. Tentou-se vender todo o excedente das ações do governo no banco estadual, mas a operação teve de ser abortada. A salvação da lavoura viria pela abertura do capital da Banrisul cartões, mas as condições desfavoráveis do mercado no ano eleitoral obrigaram o governo a abortar a suspender o processo.
A verdade é que o Estado gasta mais do que arrecada. Cerca de 70% da receita líquida é consumida com o pagamento de servidores ativos e inativos e com despesas relacionadas a pessoal. Mesmo que a maioria dos funcionários esteja como salário congelado desde 2014, os da área da segurança tiveram aumento aprovado no final do governo Tarso Genro para pagamento em parcelas ao longo dos anos seguintes.
Para piorar a situação, a crise econômica travou o crescimento do Estado. A receita de ICMS até teve crescimento real, mas os gastos subiram mais.
Por volta das 16h50min, a Secretaria da Fazenda divulgou nota sobre a ausência de pagamento de salários:
A incapacidade financeira de quitar os salários de outubro ao menos a um grupo de servidores do Poder Executivo, agora no último dia do mês, é a face mais visível de um Estado que ainda não encontrou o equilíbrio entre receita e despesas. Apesar de todo o esforço realizado desde 2015, através de uma série de medidas de ajuste, a realidade mostra o quanto o Estado precisa avançar nas mudanças estruturais, aderir ao Regime de Recuperação Fiscal e ver a economia num viés de crescimento constante, algo que não ocorreu nos últimos.
Mesmo com todas ações para melhorar a receita, controlar os gastos e enfrentar problemas antigos como a dívida com a União e o déficit da Previdência, as despesas seguem crescendo mais. Sempre importante lembrar que estas iniciativas foram determinantes em reduzir de R$ 25 bilhões para R$ 8 bilhões as projeções de déficit financeiro nestes quatro anos, montante que ficará em R$ 4 bilhões caso se mantenha a liminar que permite o não-pagamento dos serviços mensais da dívida.
No próximo mês, o atual governo irá honrar o último dos reajustes salariais para os servidores da área da segurança aprovados pela gestão passada, o que representará R$ 4 bilhões de aumento na folha apenas neste ano. No somatório de quatro anos, são R$ 8 bilhões a mais. Entre zerar o déficit e honrar os aumentos, que quase irão dobrar os vencimentos neste período, o atual governo deixou clara a sua opção de priorizar a área da segurança.
Assim como nos outros anos, o governo buscou alternativas para obter receitas extraordinárias. Um exemplo era a possibilidade da venda de um novo lote de ações do Banrisul, sem abrir mão do controle do banco. Porém, diante da conjuntura desfavorável do país, o governo teve a responsabilidade de cancelar a operação buscando preservar o patrimônio público, mesmo com o desgaste de atrasar salários.
Cabe ressaltar que a realidade das finanças públicas sempre foi tratada com a máxima transparência. Qualquer cidadão pode acompanhar o quantos e arrecada e para onde o dinheiro é destinado. Depois de quitar a folha de setembro tão somente no último dia 25 de outubro, era evidente que os poucos dias de arrecadação até a virada do mês seriam insuficientes para cobrir o total das despesas.
Por fim, o governo reafirma seu compromisso de realizar todo o esforço para priorizar o pagamento dos servidores do Poder Executivo, manter os serviços essenciais funcionando em favor da sociedade gaúcha e não se afastar da sua tarefa de conduzir os destinos do Estado com responsabilidade.