Antes de assumir o cargo de procuradora-geral da República, Raquel Dodge cometeu o primeiro grande erro: foi ao encontro do presidente Michel Temer, às 22h, no Palácio do Jaburu. Fosse uma conversa republicana, poderia ter ocorrido no Palácio do Planalto, à luz do dia, com registro na agenda.
A desculpa esfarrapada para a visita – combinar o horário da posse – não durou 24 horas e expôs a futura chefe do Ministério Público Federal a um constrangimento desnecessário. No encontro com Joesley Batista, fora da agenda e na calada da noite, o problema era de Temer. A visita ao Jaburu, no dia em que Temer formalizou um pedido de suspeição do procurador Rodrigo Janot, é um problema para Raquel e para o Ministério Público.
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A independência da instituição sai arranhada, justificando o temor de que a troca de comando na Procuradoria-Geral da República possa representar o aniquilamento da Operação Lava-Jato.
A imagem da procuradora, elegante em um tailleur branco, semioculta pelas folhagens do Jaburu, passa a ideia de encontro clandestino. Captada por um cinegrafista da TV Globo, vale por mil palavras: o presidente chamou e a doutora Raquel, servil como quem deve obrigação por ter sido nomeada, foi ao palácio no dia em que a defesa de Temer espinafrou o procurador-geral.
Menos de 24 horas depois da visita, a jornalista Andréia Sadi revelou que o verdadeiro motivo do encontro não foi o alegado acerto de agendas para a posse, mas a apresentação dos argumentos que desqualificam o trabalho de Janot. Ainda que Raquel e Janot tenham divergências explícitas em relação à Lava-Jato, ela poderia ter dito ao presidente que a liturgia do cargo que vai ocupar recomenda alguma prudência.
Temer deve achar a coisa mais normal do mundo receber a futura procuradora-geral em casa por cerca de uma hora para falar mal do atual titular do cargo. Por ter sido deputado por tantos anos, está acostumado, como disse, a receber empresários, políticos e quem quiser conversar em casa, tarde da noite. Que o diga o ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, que frequenta o Jaburu com pretextos que vão da discussão da reforma política ao orçamento para a eleição extemporânea no Amazonas. De Raquel era de se esperar um mínimo de compostura, até para não perder o respeito dos seus pares no MPF.