No tempo em que Eduardo Cunha era senhor do raio e do trovão, um dos homens que mais conhecem a geografia, a história e a alma do PMDB comparava o então presidente da Câmara com um desses lunáticos que andam com um cinturão de bombas preso ao corpo. E alertava que, se um dia resolvesse apertar o detonador, levaria muita gente com ele. Essa metáfora desgastada se aplica ao momento de Cunha: se o Ministério Público Federal (MPF) aceitar o acordo de delação premiada que ele vem rascunhando, biografias consolidadas irão pelos ares.
É esse homem de andar estranho, codinome Caranguejo nas planilhas da Odebrecht, o pesadelo do presidente Michel Temer. Mais até do que uma eventual derrota na Comissão de Constituição e Justiça, é o ex-presidente da Câmara a preocupação de Temer e do grupo que gravita em torno dele.
Cunha tocou o terror no PMDB e nos políticos de outros partidos com quem se relacionou ao longo dos últimos anos quando começou a mandar recados. Por nove meses, os procuradores do MPF o cozinharam em fogo brando. Em entrevistas ou conversas de bastidores, diziam que não tinham interesse em uma delação dele porque esse tipo de acordo não se faz com quem está no topo de um esquema criminoso. Justificavam que, se aceitassem a delação de todos os figurões envolvidos, a Lava-Jato perderia credibilidade por não punir os cabeças de chave. A situação mudou e o fechamento do acordo com mais de uma centena de anexos (cada anexo refere-se a um delito) pode ocorrer a qualquer momento.
A preocupação com o relatório do deputado Sergio Zveiter, que será lido hoje na CCJ, não se compara ao estrago que o homem-bomba é capaz de provocar, principalmente se resolver explodir o cinturão às vésperas da votação que interessa, a do plenário. O que Zveiter vai dizer é se a denúncia do procurador Rodrigo Janot contém os elementos necessários para justificar um processo contra o presidente da República. Ex-presidente da OAB-RJ, Zveiter tem dito que fez um relatório técnico.
O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, já disse incontáveis vezes que, se o critério é técnico, a Câmara tem de autorizar o processo. A OAB, aliás, é signatária de um pedido de impeachment de Temer – e protocolou esse requerimento antes da denúncia de Janot.
Ganhar ou perder na CCJ tem mais efeito psicológico do que prático. Seja qual for o parecer, o que interessa é a votação em plenário, e lá Temer precisa de somente 172 votos para escapar do processo. Hoje, o governo acredita ter esses votos, mas vê crescer a articulação em torno de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e sabe que ficará enfraquecido se perder na comissão. O grande temor é de que as revelações de Cunha despertem as panelas adormecidas e provoquem a implosão da base de apoio no Congresso, como ocorreu com Fernando Collor em 1992.