Nunca antes na história da Lava-Jato, uma delação premiada atingiu a ex-presidente Dilma Rousseff com tanta força quanto a dos marqueteiros Mônica Moura e João Santana. O depoimento de Mônica, principalmente, é detalhista e arrasador para a imagem de Dilma, que até então era tocada por declarações vagas de que sabia dos esquemas de caixa 2 para pagamento de contas de campanha ou que tinha sido avisada de desvios na Petrobras. Uma das acusações mais graves é a de que Dilma teria sugerido ao casal de marqueteiros transferir para Cingapura a conta que mantinham na Suíça, porque o país europeu tinha se tornado muito visado.
A favor de Dilma, pesava o fato de ter demitido diretores corruptos, como Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque. No caso da refinaria de Pasadena, havia o benefício da dúvida: suas digitais na desastrosa compra poderiam ter sido apenas fruto de incompetência para a análise de risco ou de negligência diante de relatórios elaborados por espertalhões.
Por falta de provas de envolvimento nas irregularidades na Petrobras, o próprio impeachment foi construído a partir de uma questão de difícil compreensão para a maioria dos brasileiros, as pedaladas fiscais. Essa fragilidade de acusação, aliada à má fama dos ministros mais próximos de Michel Temer, acabou dando fôlego ao PT e aos simpatizantes de Dilma dentro de fora do Brasil para o discurso do golpe.
Mônica atingiu o alicerce da fortaleza, que já tivera as paredes afetadas pela ação dos cupins. O relato da marqueteira, que terá de apresentar provas para usufruir integralmente dos benefícios do acordo de delação, mistura acusações pesadas, como a de que a ex-presidente repassava aos marqueteiros informações privilegiadas sobre o andamento da Lava-Jato, com ingredientes rocambolescos, mas também graves, como o fato de que Mônica pagava com dinheiro de origem escusa os serviços (e as viagens a Brasília) do cabeleireiro Celso Nakamura, o preferido de Dilma.
A história do e-mail fictício, criado para que Mônica e Dilma pudessem conversar sem o risco de uma invasão de hackers ou de uma quebra de sigilo, tem um tom de novela – da escolha do codinome Iolanda à estratégia de salvar as mensagens no rascunho, sem enviar. Igualmente curiosa é a forma que, segundo Mônica, a então presidente usava para avisá-la de que havia uma mensagem importante a ser lida no rascunho da conta secreta. De acordo com a versão de Mônica, Giles Azevedo, braço direito de Dilma, mandava uma mensagem irrelevante, do tipo "veja aquele filme", ou "gostei do vinho indicado", para avisar que deveria entrar na conta.
Mesmo que tenham sido deletadas, há como recuperar as mensagens de Giles. Não é preciso ser gênio da informática para localizar o IP (a identidade) das máquinas que acessaram a conta "2606iolanda@gmail.com" usando a senha que só as duas tinham. Foi por esse método que Dilma, segundo Mônica, mandou-lhe um recado cifrado de que a Lava-Jato tinha chegado ao casal: "O seu grande amigo está muito doente. Os médicos consideram que o risco é máximo, 10. O pior é que a esposa, que sempre tratou dele, agora está com câncer e com o mesmo risco. Os médicos acompanham os dois, dia e noite", diz a mensagem, que Mônica copiou e mandou, por e-mail, para o marido.
O pseudônimo Iolanda teria sido inspirado na mulher do ditador Arthur da Costa e Silva, que governou o país no tempo em que Dilma era uma militante de extrema-esquerda. Na clandestinidade, ela usava os codinomes Estela, Luísa, Maria Lúcia, Marina, Patrícia e Wanda.