A revelação da marqueteira Mônica Moura, de que foi avisada pela ex-presidente Dilma Rousseff, em linguagem cifrada, sobre o cerco da Lava-Jato a ela e ao marido, João Santana, tem um tom de literatura de espionagem. Segundo a delação de Mônica, revelada nesta quinta-feira pela repórter Andreia Sadi, da GloboNews, ela, Santana e a então presidente tinham uma forma de comunicação blindada: mesmo em caso de quebra de sigilo telemático, ninguém saberia o conteúdo das conversas porque as mensagens não eram enviadas.
A versão de Mônica jamais poderá ser comprovada porque ela mesma diz que as mensagens eram escritas no rascunho de uma conta secreta de e-mail, da qual ela, Dilma e Santana tinham a senha. Uma entrava na conta, lia o que a outra escrevera no rascunho, deletava a mensagem e, se fosse o caso, deixava a resposta na mesma pasta.
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A assessoria de Dilma nega a existência da conta e desmente a versão da marqueteira de que ela e Santana foram avisados do avanço da Lava-Jato por meio de uma mensagem que pareceria inocente a um desavisado que lesse o texto. Mônica diz que a ex-presidente escreveu no tal rascunho que um amigo estava doente, em estado quase terminal, e que a mulher que sempre cuidou dele também estava doente. O "amigo" seria João Santana. A mulher, a própria Mônica. John Le Carré, de O Espião Que Veio do Frio, não teria escrito uma charada tão primária. Graham Greene, em Nosso Homem em Havana, talvez, mas porque seu espião era um desastrado.
O casal Mônica e João Santana fez as duas campanhas vitoriosas de Dilma a peso de ouro, pago com dinheiro de caixa 2, segundo as delações dela e de Marcelo Odebrecht, que confessou ter pago a conta. Fora das campanhas, os dois eram conselheiros que orientavam não apenas o tom do discurso da presidente, como a roupa adequada para causar a melhor impressão em um pronunciamento de TV.
Presos na República Dominicana, onde trabalhavam em mais uma campanha, os dois desembarcaram no Brasil em fevereiro de 2016, antes da votação do impeachment, portanto. Ficou célebre a imagem de Mônica cheia de pose, de calça jeans e óculos escuros, mascando chiclete. Uma curta temporada de cadeia foi suficiente para Mônica se convencer da conveniência de fazer uma delação premiada e passar de conselheira a algoz de Dilma.