Pela lógica do ex-presidente Lula, reiterada no longo depoimento ao juiz Sergio Moro, ele está sendo vítima "da maior caçada jurídica que um presidente ou que um político brasileiro já teve". Essa teoria lulocêntrica parte do princípio de que todos os delatores criaram uma versão semelhante e o incriminam porque essa é a única forma de obter as vantagens da delação premiada.
Lula se considera tão importante, que imagina possível uma conspiração planetária para tirá-lo da disputa presidencial em 2018. Ignora as regras que regem a "colaboração premiada" e trata como se bastasse a um delator dizer o que lhe vem à cabeça para obter os benefícios. Recusa-se a acreditar que foi traído por Léo Pinheiro, o ex-diretor da OAS, e diz que o empreiteiro só deu o depoimento comprometedor porque está condenado a 26 anos de prisão e viu na televisão a vida de nababos que levam os delatores que falaram antes dele.
O ex-presidente refere-se à reportagem do Fantástico sobre a boa vida dos ex-executivos da Petrobras e de empreiteiras, morando em imóveis de luxo e sofrendo apenas o incômodo da tornozeleira.
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A conspiração teria de ser planetária, porque envolve os governos de países, como a Suíça, que bloquearam dinheiro dos saqueadores da Petrobras e compartilham informações com o Ministério Público Federal. O dinheiro que os réus confessos devolveram, a coincidência de versões, tudo é tratado por Lula como irrelevante. Importa passar para os seguidores a versão de que é mártir e que não sabia de nada – nem do que se passava dentro de sua própria casa. Pelo que disse a Moro, sua mulher, Marisa Letícia, que morreu em fevereiro, visitou o triplex do Guarujá sem consultá-lo. Depois de morta, Marisa passou a ser tratada por réus e por delatores como a pessoa que tratava de tudo por conta própria: do triplex, da reforma no sítio de Atibaia e até de um terreno para a sede do Instituto Lula.
Um dia depois do depoimento a Moro, o ministro Edson Fachin levantou o sigilo das delações do casal de marqueteiros Mônica Moura e João Santana. O casal soma-se a outros personagens que repetiram em juízo a frase que o ex-presidente considera caluniosa: "Lula sabia de tudo". No depoimento a Moro, Lula disse "não sei" 82 vezes. Os marqueteiros sustentam que o contato para repasse de dinheiro era o ex-ministro Antonio Palocci, mas o ex-presidente dava a "palavra de chefe".
Responsáveis pelo marketing vitorioso das campanhas de Lula em 2006 e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014, além de consultores da ex-presidente, Santana e Mônica aceitaram devolver dinheiro, contaram como recebiam, no Exterior, pagamentos pelos serviços prestados às campanhas petistas.
O depoimento dos marqueteiros complica também a situação de Dilma. A reação da ex-presidente seguiu a mesma linha da defesa de Lula: disse que Santana e Mônica "prestaram falso testemunho e faltaram com a verdade em seus depoimentos, provavelmente pressionados pelas ameaças dos investigadores".