Os vídeos e as transcrições dos depoimentos dos delatores da Odebrecht escancaram a facilidade com que a empreiteira corrompia políticos de diferentes partidos e era achacada por quem tinha a caneta para assinar contratos e aditivos, liberar empréstimos, elaborar editais, homologar licitações, liberar pagamentos, fazer leis ou enxertar artigos em medidas provisórias. O toma lá dá cá com dinheiro público assumiu uma dimensão tão gigantesca, que a Odebrecht foi obrigada a estruturar um departamento para cuidar da propina e assim produziu as provas que embasam as delações premiadas.
Como os olheiros que percorrem o Brasil em busca de modelos para brilhar nas passarelas, os executivos garimpavam líderes com potencial e ofereciam ajuda para suas campanhas. Doações legais, com recibo, e dinheiro de caixa 2, por fora. Uma prática tão corriqueira que Marcelo Odebrecht ousou dizer ao juiz Sergio Moro que duvida da existência de alguém eleito sem caixa 2.
Milhões de reais ou de dólares de superfaturamento de obras transitaram por essa rede subterrânea sem que a Justiça Eleitoral, os Tribunais de Contas, a Receita Federal e a imprensa percebessem que aqueles sinais exteriores de riqueza eram incompatíveis com a renda declarada, a prestação de contas da campanha, o histórico familiar e profissional. Além das doações de campanha, os delatores confessaram pagamento de mesadas a pessoas indicadas por políticos e repasses de propina disfarçados de remuneração por palestras ou consultorias, em valores sempre superlativos.
O detalhamento das contas movimentadas pelos ex-ministros Antônio Palocci e Guido Mantega, feito por Marcelo Odebrecht, deixam o ex-presidente Lula em situação ainda mais complicada às vésperas de seu encontro com Moro. No vídeo liberado ontem pelo juiz, Marcelo diz que Palocci e Mantega agiam em nome de Lula e que pela conta "Amigo" passaram pelo menos R$ 40 milhões.
No Rio Grande do Sul, é emblemático o caso da obra de extensão do trensurb até Novo Hamburgo. Os delatores da Odebrecht relataram ter sido achacados por dois grupos do PT e um do PMDB. Foram, segundo os depoimentos, R$ 534 mil para o deputado Marco Maia (PT), por ter mantido o projeto, embargado pelo Tribunal de Contas da União, R$ 1,5 milhão para Eliseu Padilha (PMDB), por suposta interferência na licitação, e R$ 934 mil para o ex-ministro Paulo Bernardo (PT), para incluir a obra no PAC.
Todos os que se manifestaram sobre as acusações negam ter recebido propina ou dinheiro de caixa 2 e dizem que os executivos da Odebrecht estão mentindo. Padilha avisou que só se manifestará nos autos.
Convém lembrar que, se ficar comprovado que um delator mentiu, ele perde os benefícios da "colaboração premiada". Por que os executivos da Odebrecht inventariam uma lorota sobre repasses milionários a políticos de quase todos os partidos? Os advogados de defesa terão de encontrar uma explicação melhor do que as oferecidas até aqui.