Nada como uma Lava-Jato para aumentar a produtividade de deputados e senadores. A quarta-feira foi um dia frenético no Congresso. Enquanto a Câmara debatia a reforma trabalhista, o Senado aprovava, a toque de caixa, o projeto que trata do abuso de autoridade, considerado um empecilho ao trabalho da força-tarefa e o fim do foro privilegiado para parlamentares.
O fim da prerrogativa de foro (exceto para os chefes de poderes) foi aprovado em primeiro turno, por unanimidade, com os votos de 75 senadores. Para que vire lei, ainda precisa passar pelo segundo turno no Senado e por duas votações na Câmara. Por se tratar de emenda constitucional, são necessários os votos de três quintos dos deputados e senadores.
Esse surto de produtividade tem explicação. Com mais de um terço dos senadores e meia centena de deputados sob investigação na Lava-Jato, citados por delatores da Odebrecht como protagonistas de tenebrosas transações, é preciso mostrar serviço. Ao governo Temer interessa provar ao mercado que não está paralisado e que mantém a capacidade de articulação para aprovar as reformas vendidas como essenciais para a retomada do crescimento e a criação de empregos.
Ainda que tenha de percorrer um longo trajeto até virar lei, o fim do foro privilegiado é uma medida de forte apelo popular. O eleitor que compara a rapidez do juiz Sergio Moro com a demora do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgar os detentores da prerrogativa de foro se revolta contra esse privilégio, interpretado como sinônimo de impunidade. Ontem mesmo, essa percepção foi reforçada com uma decisão do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu depoimento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à Polícia Federal. Aécio seria ouvido sobre um suposto esquema de corrupção em Furnas, mas pediu para falar somente depois de ter acesso aos depoimentos de todas as testemunhas já ouvidas no caso.
As mudanças na lei de abuso de autoridade, mesmo abrandadas pelo relator Roberto Requião (PMDB-PR), foram mal recebidas pelas entidades que representam membros do Judiciário e do Ministério Público. Derrotados na tentativa de impedir a aprovação pelo Senado, juízes, promotores e procuradores vão agora fazer pressão sobre os deputados.
–Vamos tentar mostrar que essas mudanças não afetam somente a Lava-Jato, mas terão impacto em todos os processos – diz o presidente da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Sérgio Harris.
Na mesma linha, a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) tentará convencer os deputados de que o projeto é "oportunista e prejudicial à magistratura".
– O projeto ataca a independência do Judiciário – diz o presidente da Ajuris, Gilberto Schäffer.
A Ajuris saudou os senadores gaúchos, Ana Amélia Lemos (PP), Paulo Paim (PT) e Lasier Martins (PSD), que acataram seus argumentos e votaram contra o projeto.