Uma coisa é o delator Cláudio Melo Filho, ex-diretor da Odebrecht, dizer que repassou R$ 4 milhões de caixa 2 da Odebrecht ao ministro Eliseu Padilha, atendendo a um pedido do então vice-presidente Michel Temer a Marcelo Odebrecht. Outra, bem mais complicadora para Temer e Padilha, é um amigo íntimo do presidente, o advogado José Yunes, dizer ao Ministério Público que serviu de "mula involuntária" e que recebeu um envelope "robusto" do doleiro Lúcio Funaro, em 2014, para repassar ao agora ministro chefe da Casa Civil.
Ex-assessor de Temer, Yunes se demitiu em 14 de dezembro, depois que a delação de Melo Filho veio a público. Agora, resolveu contar sua versão aos procuradores. Por ser quem é, Yunes deixou Temer em maus lençóis. Neste caso, traição e fogo amigo são sinônimos. O presidente sentiu-se na obrigação de divulgar nota reafirmando que jamais pediu dinheiro de caixa 2 à Odebrecht e que tudo o que o PMDB recebeu foram os R$ 11,3 milhões que aparecem na contabilidade oficial.
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Por meio de seu advogado, Funaro contestou a versão de Yunes sem dizer exatamente qual é a divergência e fez crescer a tensão. Ao propor uma acareação entre ele, Yunes e Padilha, adicionou pimenta na crise. Acareação entre um doleiro, um advogado e o ministro mais poderoso do governo é nitroglicerina pura. Para complicar a situação de Padilha, Yunes também se ofereceu para participar de uma acareação com ele.
A nota protocolar de Temer, combinada com o voto de silêncio de Padilha em relação à acusação, não ajudam a esclarecer o que de fato aconteceu. No bojo de uma operação com tantos tentáculos como é a Lava-Jato, fugir do assunto não contribui para aliviar a tensão.
Padilha está licenciado do governo, mas não incomunicável. Enquanto se preparava para a cirurgia a que deverá se submeter em Porto Alegre, o ministro falou com a jornalista Carolina Bahia. Disse que não deixará o ministério, mas não quis comentar o depoimento de Yunes. À época em que a delação de Melo Filho vazou, Padilha negou participação no episódio.
Yunes diz que não abriu o envelope supostamente recheado de dinheiro de caixa 2. Em entrevista à repórter Andréia Sadi, da GloboNews, reconheceu que a quantia mencionada pelo delator Cláudio Melo Filho não caberia num envelope daquele tamanho. Seria preciso "uma caixa de uísque cheia de dinheiro". Caberá ao Ministério Público Federal montar o quebra-cabeça.
O comunicado de Temer diz que ele pediu "auxílio formal e oficial à Construtora Norberto Odebrecht" para a campanha de 2014. "Não autorizou, nem solicitou que nada fosse feito sem amparo nas regras da Lei Eleitoral", diz.
Temer passará o Carnaval isolado na Bahia. Se na volta do feriadão, Padilha continuar em licença médica, Temer ficará ainda mais isolado na solidão do Planalto. O ministro é amigo, confidente e estrategista. Por ele, passam as reformas que o presidente precisa aprovar em 2017.