O segundo sábado de outubro foi especial. Começou pela recepção. Chegamos ao que chamo de casa de campo no início da tarde. As onze horas ainda estavam floridas, numa versão particular de Outubro Rosa. O quintal recendia a orquídeas, o roseiral estava mais florido do que nunca, os ipês roxos ainda guardavam um estoque de flores, o guaipeca que vive aqui fez uma festa ao saber que não passaria o fim de semana sozinho. Dormi a sesta que faltava no pós-eleição e, enfim, comecei a ler o primeiro livro da fila formada nessas semanas de dedicação exclusiva à política: A ponta do silêncio, de Valesca de Assis.
Antes de falar do livro, que sorvi da primeira à última linha sem levantar do sofá, enquanto o cão dormia meus pés, preciso falar de Valesca. É, antes de tudo, uma amiga com quem partilho o gosto pelas flores em geral e pelas camélias em particular, que ela chama de "rosas do Japão", como os portugueses. Valesca é uma escritora madura, que estreou em 1990, com A Valsa da medusa, lançou pérolas com A harmonia das esferas e A colheita dos dias e, agora, nos oferece essa novela de luxo, econômica de palavras, densa na história escrita nas linhas e nas entrelinhas.
A história contada por Valesca é universal, ainda que ambientado na fictícia Cruzeiro, região de colonização do Rio Grande do Sul. Com a habilidade da artesã que borda tapetes, tece o desmoronar de um casamento de três décadas. A gênese do desfecho trágico expressa-se em poucas palavras. Impossível não ter compaixão pela protagonista Marga Treibel, a mulher que sintetiza séculos e séculos de submissão. Não quero aqui estragar o prazer da descoberta. Digo apenas que, mesmo não tendo um cãozinho a seus pés, leia A ponta do silêncio com uma taça de vinho (prefiro um bom espumante) na mão, para, ao final, poder brindar à literatura de qualidade. E vamos ao próximo da fila, O inverno e depois, do querido Luiz Antônio de Assis Brasil, um escritor que trata a palavra com o mesmo zelo que ele e Valesca dedicam a seus gatos de estimação.