O porto-alegrense é um ser conformado. Aceita com passividade bovina as explicações (ou a falta de) das autoridades para os problemas que afetam sua vida. A facilidade com que há dois meses aceitamos consumir uma água que cheira a podridão é o exemplo mais acabado de como somos pouco exigentes em matéria de serviços públicos.
Seria impossível imaginar um japonês, um alemão ou um norte-americano vendo jorrar das torneiras água com cheiro de mofo, enxofre, amoníaco ou coisa pior, conformados com a versão de que, dois meses depois, não se conseguiu identificar a origem do problema. Nós, porto-alegrenses, aceitamos tomar banho e sair com a impressão de que nos sujamos embaixo do chuveiro. Topamos cozinhar e tomar chimarrão com esse líquido que o Dmae chama de água, mesmo não sendo "incolor, insípida e inodora". Aceitamos a versão de que esse líquido malcheiroso é "potável" e que as bactérias encontradas em profusão perto de um ponto de captação não provocam mal à saúde.
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Quem passa pela ponte do Guaíba sente o mesmo cheiro de podre que escoa das torneiras. E os técnicos do Dmae e da Fepam não conseguem descobrir se a origem é ou não uma estação de tratamento de efluentes industriais que, segundo a prefeitura, é clandestina. Tratamos com a maior naturalidade o fato de existir uma central de tratamento de resíduos da qual a cidade é dependente, segundo a secretária do Ambiente, Ana Pellini, e que nem sequer tem licença da prefeitura para funcionar.
Essa passividade faz de Porto Alegre uma cidade muito fácil de ser governada. Aceitamos os alagamentos como consequência de um fenômeno natural, o excesso de chuva, até a repórter Adriana Irion revelar que o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) pagava pela limpeza de bocas-de-lobo inexistentes e não limpava as que estão entupidas.
Aceitamos a explicação de que as ruas estão sempre esburacadas porque a Petrobras fornece asfalto de má qualidade, ou porque as temperaturas sofrem variações extremas, sem estranhar que o fenômeno não se repete em Caxias do Sul, por exemplo. Porto Alegre é forte candidata ao título de capital do conformismo, que a prefeitura prefere chamar de resiliência.