Contei esses dias na Rádio Gaúcha que quando eu era criança muitas vezes precisava molhar os pés no riacho ao lado da minha escola, para aquecê-los nos dias de inverno rigoroso. Eu e todos os meus colegas, iguais na pobreza de filhos de pequenos agricultores, num tempo em que não existia transporte escolar. Não tínhamos calçados adequados para ir à escola em dias de chuva e molhar os pés na água corrente era a técnica de todos nós para driblar o frio.
Aprendi isso com meu pai, que muitos anos antes atravessava, de pés descalços, campos brancos de geada para ir à escola. Ele, que só estudou até o 4º ano, dizia que a educação seria a herança dos cinco filhos. Conseguiu viver para assistir à formatura dos cinco. Foi essa infância pobre que me faz detestar o inverno. Mesmo agora, que posso comprar casacos, botas, luvas, pijamas e pantufas, quando penso em frio a primeira imagem que vem à mente é de crianças de pés descalços, casaquinho de fustão, tiritando de frio.
Lembro com emoção do dia em que meu pai vendeu alguns sacos de trigo para comprar um conjunto de chuva para mim e para minha irmã: capa de chuva, sombrinha e botas de borracha. Como não tínhamos meias, o resultado foi desastroso. Criamos tantas bolhas nos pés que continuei preferindo ir à escola de pés descalços.
Para minha surpresa, quando lembrei dessa história no Gaúcha Atualidade, dezenas de ouvintes se identificaram com ela e contaram que eles -- ou seus pais e mães -- usavam a mesma estratégia para aquecer os pés nos invernos do interior do Rio Grande do Sul. Naquele tempo não havia essa profusão de roupas e calçados acessíveis vindos da distante China. Falo dos anos 1960/70, que para os pobres como eu não tinham charme algum.
Por ter passado tantas dificuldades, valorizo demais uma inciativa que começou no governo de Alceu Colllares, tocada pela secretária da Educação, Neuza Canabarro, embrião do programa que hoje permite às crianças do interior frequentarem a escola sem precisar caminhar quilômetros e quilômetros, como eu e minhas irmãs tivemos que fazer. Engajo-me todos os anos na Campanha do Agasalho com a certeza de que um par de meias, um tênis, um casaco ou um simples cachecol fazem a diferença na vida de quem passa frio.
Neste domingo, faço um apelo aos leitores para que abram o armário e o coração e ajudem a aquecer alguém que detesta o inverno porque passa frio.