No inverno de 2005, Rui Biriva me deu um cachorro. Fui à casa dele e da Priscila, vizinhos no Guaíba Country Club, para comprar um filhote de labrador. Fernando, nosso veterinário, foi quem deu a dica quando perguntei onde poderia conseguir o cachorrinho desejado pelos meus filhos:
– Vai lá no Biriva que a labradora dele deu cria.
Era uma manhã ensolarada de domingo quando toquei a campainha. Rui e Priscila me receberam com a simpatia de sempre, ofereceram chimarrão e entrei no assunto: queria comprar um dos filhotes da Milonga e do Vanerão. Sim, os cachorros da família Biriva tinham nomes inspiradores. Na verdade, o dono daqueles peludinhos amarelos era o Gerônimo, um menino de 10 anos, a idade da minha filha. O Rui recusou-se a fazer preço: eu podia escolher um, mas era presente. Foi difícil escolher naquela ninhada o meu presente de aniversário. Quem já viu um filhote de labrador sabe que há poucas coisas mais bonitas na natureza.
Dei a ele o nome de Duque, homenagem ao buldogue da minha infância. E a amizade com os Biriva foi reforçada por esse laço. O Rui brindava os vizinhos com música, erva-mate, sorriso aberto e boa prosa. Sempre que eu o encontrava na padaria ou no supermercado estava conversando com alguém.
No galpão crioulo dele, as portas não tinham tramela. No campinho dos fundos da casa, os homens jogavam futebol com os guris antes do churrasco e da cantoria. Por ali passaram grandes nomes da música regional e um sertanejo que eu queria muito ter ouvido cantar A Chalana e O Menino da Porteira. Sérgio Reis frequentava a casa dos Biriva, mas não cheguei a encontrá-lo. Borghettinho, Neto Fagundes, Cesar Oliveira e Rogério Melo, Gaúcho da Fronteira, Daniel Torres, Osvaldir e Carlos Magrão... Quem não passou por lá?Rui era eclético e recebia políticos de diferentes partidos. O deputado Pedro Ruas (PSOL), à época vereador, era um dos seus melhores amigos. O governador Germano Rigotto (PMDB) ganhou dele o Xiru, um dos filhotes de outra ninhada da Milonga. Não exagero se disser que Biriva era a alma do Parque Eldorado. Foi Pedro Ruas quem me deu a notícia, lá por 2010:
– Tô preocupado. O Rui não está bem. Notou que ele anda sumido?
Sim, fazia tempo que não encontrava o Rui, mas ele fazia tantos shows no Interior, que me parecia normal não encontrá-lo nos fins de semana. Mas a notícia era avassaladora: diagnosticado com câncer de intestino, Rui perdia peso rapidamente e não respondia bem ao tratamento. Foi tudo tão rápido que não deu tempo para despedidas. Tentei visitar o nosso amigo algumas vezes, mas uma vez estava hospitalizado, em outra tinha ido a Santa Catarina atrás de um tratamento alternativo. No fundo, eu não queria vê-lo definhando.Estava em Pelotas para um compromisso de trabalho quando o mesmo Pedro Ruas ligou para dizer que o médico já havia avisado a família: Rui não passaria daquele dia e era preciso preparar o funeral.
Funeral é uma das palavras mais horríveis da língua portuguesa. Não combina com juventude nem com energia. Com pouco mais de 50 anos, Rui estava se despedindo de Priscila e deixando órfãos o menino Gerônimo e uma legião de fãs e amigos que com ele cantavam "Castelhana se você me ama..." e outras canções do seu imenso repertório. No adeus, na Câmara de Vereadores, os amigos tocaram e cantaram. A alma de Rui não poderia se desprender do corpo sem uma boa música. Já não era ele naquele corpo esquálido. O Rui que aprendemos a admirar continuaria presente na música e nas lembranças que Priscila e Gerônimo seguem cultivando.
Lá se vão cinco anos. O galpão silenciou. Milonga e Vanerão estão velhinhos. O Duque nos deixou depois de 11 anos. A rua dele, que antes era um número, agora se chama Rui Biriva. Gê e Pri vão domando a saudade do seu jeito. A exposição que pode ser vista na Galeria dos Municípios da Assembleia Legislativa de amanhã até o dia 13, é uma forma de homenagear a memória de um artista que foi embora cedo demais, mas, como diz um verso do Airton Pimentel "por isso que o biriva não morreu/ mudou foi seu produto de tropear".