Incluo-me entre os que consideram Samba do Avião o verdadeiro hino do Rio de Janeiro. Minha alma canta quando o piloto diz que estamos em procedimento de descida para o Aeroporto Maestro Antonio Carlos Jobim, o velho Galeão. Mas canta mais alto quando é no Santos Dumont e estou na janela em que se pode ver o Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara.
No fim de semana passado, desci no Santos Dumont na ensolarada manhã de sábado por um motivo muito especial: o casamento dos amigos Janaína Aguilera e Adriano Barcellos, ele nosso ex-colega de ZH. Os dois optaram por uma cerimônia romântica, na ilha de Paquetá, cenário de A Moreninha, uma novela da Globo, adaptada do romance de Joaquim Manuel de Macedo. Tão antiga a novela (1975) que a mocinha do título era a Nívea Maria! Além da vista espetacular, as principais atrações da ilha são a pedra da Moreninha, a casa da Moreninha e um baobá, a árvore que a maioria dos brasileiros só conhece pela descrição de Antoine de Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe.
Paquetá ainda tem um pé no século 18, com carruagens puxadas a cavalo e ruas de chão batido. Ou tinha, porque Janaína foi uma das últimas noivas a chegar à igreja numa carruagem daquelas. Uma lei que está para entrar em vigor proíbe as carroças puxadas por cavalos. Como os carros são proibidos de circular na ilha, as bicicletas dominam a paisagem. As carruagens serão substituídas por veículos elétricos. Vitória dos defensores dos animais. Só não entendi por que ninguém se incomoda que homens continuem pedalando bicitáxis que carregam dois adultos para cá e para lá, mas essa é outra história.
Na velha barca que parece a mesma de 1979, quando conheci Paquetá, há brasileiros de diferentes sotaques e turistas que falam inglês, francês e alemão. Fotografam o cais da Praça XV, o castelinho que conhecemos como cenário do baile da Ilha Fiscal, a ponte Rio-Niterói, as plataformas de petróleo. Da água, vem um cheiro de podridão. Fotografo o lixo boiando naquela água azul, olho para os estrangeiros, sinto uma vergonha imensa do nosso descaso com a natureza e penso, como na Copa: imagine na Olimpíada.
Daqui a pouco, o Rio estará tomado de turistas e atletas de todo o mundo, que exclamarão como a senhorinha americana ao desembarcar em Paquetá: que cheiro horrível! A simpática ilha padece com o despejo de esgoto não-tratado na Baía da Guanabara. Como padece a Lagoa Rodrigo de Freitas, outro dos tantos cartões postais da cidade-sede da Olimpíada.
De volta ao Rio no início da tarde de domingo, almoçamos no Alvaro's, que tem o melhor bacalhau do Leblon. Comida boa, preço justo, chope cremoso e ar condicionado perfeito. Fica numa esquina da Av. Ataulfo de Paiva e tem garçons que parecem saídos da velha Guarda da Mangueira. Um deles conta que, por muito tempo, serviu ninguém menos que Vinicius de Moraes. Quando saímos, já passando das 15h, há uma fila de espera do lado de fora. Imagine na Olimpíada, penso de novo.
Como o voo seria só à noite, resolvemos passear pelo Leblon para matar a saudade. Bares e restaurantes cheios, o Jobi com lista de espera. Imagine na Olimpíada. Na Praça Antero de Quental, o choque: na futura estação do metrô, seguem os tapumes, como nas últimas férias que passamos no Rio, em 2014. Espio pela fresta e o que vejo me faz duvidar de que fique pronta para a Olimpíada. As autoridades garantem que será inaugurada em junho, junto com as outras da Linha 4.
Voltamos pela Dias Ferreira, a rua da Livraria Argumento, de bares e restaurantes em profusão e eu digo em voz alta, agora em tom de entusiasmo: imagine na Olimpíada! Mesmo com zika, dengue e crise econômica, imagine essa cidade maravilhosa repleta de turistas apaixonados por esportes. Imagine na Olimpíada, o encantamento dos turistas com a simpatia dos cariocas e com as orquídeas que florescem no tronco das árvores. E imagine os preços, o quanto estarão altos para nós que ganhamos em real.