Nas 23 fases anteriores da Lava-Jato e em outras operações da Polícia Federal, nunca se questionou o instrumento da condução coercitiva. Bastou o ex-presidente Lula ser alvo de um mandado de condução coercitiva, junto com outros de busca e apreensão em endereços ligados a ele, para seus aliados tentarem desqualificar a decisão do juiz Sergio Moro usando definições estapafúrdias como sequestro, regime de exceção, golpe, abuso de poder, desrespeito e assim por diante.
A condução coercitiva pode ser considerada parente da prisão temporária, embora a maioria dos “conduzidos” volte para casa após o depoimento, como Lula voltou. Se é para questioná-la, que seja de forma ampla, geral e irrestrita. Por que se considera abusiva a condução de Lula em uma viatura (discreta) da Polícia Federal e não a de uma humilde secretária de empreiteira, em carro com logotipo? Por acaso, os executivos e as secretárias de empreiteiras estão imunes ao constrangimento da exposição por serem levados a depor em um inquérito policial? Por que só Lula não pode ser incomodado com uma batida da Polícia Federal às 6h da manhã?
Nas 24 fases da Operação Lava-Jato foram expedidos 117 mandados de condução coercitiva. Alguém lembra de protestos nos outros 116? Lula diz que não precisava do mandado. Bastava ter sido convidado e iria depor, como já fora em outras ocasiões. A história registra que essa é uma meia verdade. Lula foi, sim, depor algumas vezes, nem sempre com a presteza que apregoa. Em setembro de 2014, a polícia tentou ouvi-lo sobre possível repasse de R$ 7 milhões da Portugal Telecom ao PT, de acordo com informações de Marcos Valério, empresário condenado pelo STF como operador do mensalão. Lula só falou três meses depois. Agora mesmo, entrou na Justiça com um pedido de habeas corpus para não depor em um inquérito do Ministério Público de São Paulo sobre o triplex do Guarujá, e recorreu ao Supremo Tribunal Federal para não ser investigado pelo Ministério Público Federal. A ministra Rosa Weber rejeitou o pedido.
A ideia de ouvir o ex-presidente no aeroporto de Congonhas foi um equívoco. Deu margem para especulações de que o passo seguinte seria levá-lo preso para Curitiba. O despacho do juiz Sergio Moro era claro. Lula deveria ser levado para depor, mas os policiais não poderiam filmar nem usar algemas. Moro também rejeitou o pedido do Ministério Público Federal para que dona Marisa Letícia também fosse levada para depor. Acusado de arbitrariedade, Moro teve de divulgar uma nota para dizer o óbvio: investigar Lula não significa dizer que ele é culpado.
Ao contrário do que imaginam seus seguidores, o ex-presidente não é intocável. Se contra ele pesam fortes indícios de relações promíscuas com as empreiteiras que saquearam a Petrobras, o mínimo que os investigadores precisam fazer é quebrar sigilos, cruzar dados e ouvir o que Lula e as pessoas próximas a ele têm a dizer. Não está claro, por exemplo, por que o Instituto Lula repassou mais de R$ 1 milhão para empresas dos filhos do ex-presidente.