Pergunte a qualquer ministro do Supremo Tribunal Federal se impeachment é golpe. De Dias Toffoli ao decano Celso de Mello, todos vêm respondendo que não. Não, desde que sejam respeitadas as condições previstas na Constituição. Essa ressalva faz toda a diferença: desde que a Constituição seja respeitada.
No sábado, o Jornal Nacional exibiu um vídeo amador, todo tremido, de uma “entrevista” feita por uma militante pró-impeachment com o ministro Celso de Mello. No vídeo, o ministro não diz uma palavra diferente da que diria em sessão do Supremo. O impeachment é um instrumento previsto na Constituição, que pode ser aplicado a qualquer presidente, de qualquer partido, desde que se cumpra o que a lei prevê. E o que diz a lei? Que para haver impeachment é preciso que o presidente tenha cometido crime de responsabilidade.
Aqui começa a polêmica: por que crime a presidente Dilma Rousseff será julgada? Tecnicamente, apenas pelas pedaladas fiscais – manobras contábeis que outros governantes fazem (ou fizeram) para fechar as contas quando gastam mais do que arrecadam. Se o governo estivesse nadando em popularidade, as pedaladas não seriam suficientes para justificar o impeachment. Como o governo vai mal e as ruas pedem a saída de Dilma, qualquer pretexto basta aos deputados, que no primeiro momento farão um julgamento político e não jurídico.
Dentro e fora do Brasil, juristas respeitados sustentam que as manobras fiscais são insuficientes para justificar o afastamento da presidente. Outros, igualmente notáveis, garantem que sim. Se perguntar aos que gritam “Fora Dilma” por que ela deve sair, ninguém falará em pedaladas. As respostas mais frequentes serão os desvios na Petrobras, a compra da refinaria de Pasadena, os pagamentos da Odebrecht para o marqueteiro que fez as campanhas dela, a delação de Delcídio Amaral, as escutas telefônicas, a tentativa de driblar a Justiça com a nomeação de Lula para a Casa Civil e outros tantos que não estão no processo.
A dúvida em relação à legalidade de embasar o processo apenas nas pedaladas explica por que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu protocolar outro pedido, em vez de se associar ao dos juristas Helio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. Como entidade de representação dos advogados, a OAB não pode subscrever um documento em que paire alguma dúvida sobre a legalidade. No requerimento próprio, entram as acusações contidas na delação de Delcídio, e a tentativa de driblar a Justiça dando foro privilegiado a Lula.
O mais provável é que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deixe o pedido da OAB na geladeira, para não atrapalhar o andamento do que está em ritmo acelerado na Câmara. Para efeito político, o requerimento será tratado como a prova de que a OAB apoia o impeachment. Do ponto de vista jurídico, poderá reforçar a tese do governo de que esse em tramitação na Câmara está mal embasado.