Uma pessoa que responde a processo por estelionato no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode assumir a presidência de uma Corte encarregada de examinar as contas de agentes públicos? No entendimento dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, que na quarta-feira elegerão Marco Peixoto como presidente, a resposta é sim. O próprio Peixoto diz que não se sente constrangido, porque é inocente e vai provar que não praticou estelionato quando foi deputado estadual.
Mesmo constrangidos, os conselheiros decidiram seguir a tradição de eleger o presidente em um sistema de rodízio, por ordem de antiguidade. Esta é a vez de Peixoto, conselheiro desde 2009, e que em agosto deste ano tornou-se réu, acusado de empregar funcionários fantasma na Assembleia. A acusação guarda semelhanças com a que resultou na renúncia e posterior cassação do mandato de Diógenes Basegio e com a que ameaça, também, o deputado Mário Jardel.
A Constituição diz que todo acusado é inocente até que se prove o contrário. À luz da Carta, Peixoto só poderá ser considerado culpado se a Justiça assim o decidir, esgotadas todas as possibilidades de recurso. Mas ele não quer esperar por um julgamento que não tem data para ocorrer e já distribuiu os convites para a posse, programada para as 10h de quarta.
Nas últimas semanas, entidades como a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) e a ONG Contas Abertas posicionaram-se contra a indicação. Nesta segunda-feira, o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo da Camino, formalizou uma representação na Procuradoria-Geral da República para tentar impedir a eleição e posse de Peixoto.
Na representação, Da Camino diz que “a medida acautelatória postulada objetiva a proteção da moralidade administrativa, bem como a preservação do prestígio, da dignidade, da credibilidade e da respeitabilidade do Tribunal de Contas, ameaçadas pela incompatibilidade entre a função de presidente e a situação de réu em ação penal, acusado pela suposta prática do crime de estelionato qualificado em detrimento de entidade de direito público”. Traduzindo, o procurador tenta evitar que Peixoto assuma a presidência do TCE e que, se for eleito e empossado, seja afastado da função até o julgamento.
Pior do que a situação de Peixoto é a do vereador Cássio Trogildo, eleito presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, apesar de ter sido condenado pela Justiça à perda do mandato. Trogildo recorreu e, como aguarda julgamento do recurso pelo TSE, concorreu à presidência da Câmara em chapa única e teve os votos de 23 vereadores.
Em se tratando de cargos públicos da relevância da presidência do TCE ou da Câmara deveria se inverter a sentença “in dubio pro reo”: na dúvida, o agente público espera ser inocentado. E, em vez de postergar a decisão com recursos que visam apenas ganhar tempo, trabalha na defesa para se ver livre, o quanto antes, da acusação que considera infundada.