
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Brasileiro e professor da Universidade de Virgínia (EUA) e da PUCRS, David Nemer esteve na última semana em Porto Alegre para uma série de palestras nas quais falou sobre as ameaças à democracia diante da tecnologia e a ascensão do tecnofeudalismo.
A coluna conversou com ele sobre o assunto:
O que é o tecnofeudalismo?
É um termo que tenta entender como é que está o jogo comercial com as big techs. Temos uma mudança de paradigma em que as empresas mais poderosas não são mais da indústria do alimento ou da comunicação puramente, mas de um conglomerado que ocupa diversas facetas das nossas vidas. O tecnofeudalismo tenta entender como essas empresas de big tech se tornam mais poderosas no mundo, não só pelo acúmulo de capital, mas pelo espaço que ocupam na comunicação, nas relações de trabalho, nas relações sociais. Hoje vemos essas empresas de big tech se comportando como senhores feudais, em que exploram os usuários e nem geram mais oportunidades de trabalho como teria no capitalismo liberal. Na verdade, eles exploram o usuário através da precarização do trabalho, seja no Uber, iFood, e também na geração de dados, em que nós estamos, na verdade, trabalhando para essas plataformas ao produzir dados. E por se tratar de empresas que dominam esse espaço, eles não aceitam qualquer tipo de outra entidade a definir como eles devem se comportar. Ou seja, não aceitam o Estado regulando para tentar conter um pouco esse tipo de monopólio, por exemplo. E, ao refutar a presença do Estado, aí sim eles criam mecanismos que permitem atacar e destruir os pilares democráticos.
E onde entram as ameaças?
Vemos elas através de plataformas priorizando o conteúdo de desinformação que questionam a legitimidade do Estado, da Constituição, começam a trazer interpretações totalmente diferentes de leis que estavam muito bem entendidas no passado, como, por exemplo, a liberdade de expressão. E agora começamos a ver um desafio desses entendimentos justamente porque as plataformas precisam não ter qualquer tipo de regulação. Porque o conteúdo extremista, como é um conteúdo racista, gera engajamento. Isso transforma em geração de dados, que é o que as plataformas precisam para lucrar.
Vemos o governo de Donald Trump alinhado com as grandes big techs. Há riscos para a sociedade?
Sim. É um risco muito grande porque hoje vemos essas big techs se alinhando a políticas de extrema direita nos EUA.
Antes, elas ainda diziam ter uma preocupação com questões de inclusão, diversidade, equidade, queriam tornar suas plataformas menos tóxicas, não faziam o trabalho completo, mas pelo menos existia um esforço pequeno para retirar conteúdos racistas, misóginos, transfóbicos. Hoje, com esse alinhamento com a extrema direita, eles abandonam toda essa política. Principalmente porque o próprio Trump já tinha falado que iria trazer sanções às plataformas que, na palavra dele, censurassem o conteúdo conservador. O maior medo dessas plataformas é a regulação.
É por isso que vemos as big techs cedendo 100% a todos esses anseios, pedidos e crenças da extrema direita americana, porque eles não querem qualquer tipo de regulamentação.
Você disse recentemente que se tornou cínico para acreditar que movimentos populares sejam capazes de enfrentar as big techs e que é essencial um Estado forte. Qual a saída?
Hoje as big techs são grandes o suficiente para qualquer movimento social ter qualquer tipo de efeito. Acredito que o único que tem o poder suficiente é o Estado. E uma forma de fazer isso é começar a demandar e pedir candidatos que tenham uma agenda digital de proteção dos cidadãos. Porque toda iniciativa popular, que vem de baixo para cima, as big techs conseguem aniquilar. O cidadão, através do seu representante no Estado, é que consegue fazer frente a essas big techs.