Se há um símbolo universal, acima das rivalidades religiosas, políticas e culturais, este é a mesa. A mesa posta pelos pais à espera dos filhos que irão chegar de viagem. A mesa onde saboreamos a comida feita com carinho. A mesa sobre a qual oferecemos o melhor vinho aos amigos. Sim, a mesa é mais que um amontoado de tábuas, comida e bebida, copos e pratos. Nela construímos memórias.
Em Tel Aviv, a mesa está posta, com toalha branca, louça requintada, taças bonitas, para os cerca de 250 reféns tomados pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro de 2023. Construída no largo em frente ao Museu de Arte, a obra impacta, entretanto, pelo vazio. Está tudo pronto. Mas falta o principal: as pessoas.
Ao caminhar pela praça gerenciada pelo coletivo Fórum dos Reféns, criado um dia depois do massacre, levamos um soco no estômago a cada olhar: além da ausência como cerne da mostra artística na mesa vazia, há um grande coração em vermelho pulsante acorrentado. Tem também um bebê prisioneiro em seu próprio berço. E há um túnel, que busca reproduzir as catacumbas do Hamas, em Gaza. À medida que se adentra no espaço, uma confusão de sentimentos afloram: claustrofobia, umidade, medo da escuridão. O som dos nossos passos se mistura com a música que vem de um piano lá fora, mas logo é suplantado pelo barulho de tiros e explosões nos alto-falantes.
Depois de fazer a curva no túnel, quando vi a claridade lá fora, pensei no inevitável clichê: apesar de tudo, há luz no fim do túnel. Senti o prazer da liberdade - e me senti culpado por isso. Saí, na verdade, com o coração acorrentado.
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