O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Especialistas holandeses que estiveram em Porto Alegre em junho para verificar causas da enchente e sugerir melhorias no sistema de proteção da Capital apresentaram nesta segunda-feira (19) um resumo do relatório. Entre os principais problemas, o documento aponta falhas estruturais em diques e casas de bombas, além de fragilidade nas comportas de Porto Alegre.
O texto completo ainda não foi disponibilizado ao público e à imprensa, contudo o colunista Paulo Germano teve acesso a um documento preliminar com as informações apontadas pelos especialistas.
Os indícios mais relevantes identificados que contribuíram para o aumento dos efeitos das enchentes envolveram, na análise dos pesquisadores, fatores climáticos e físicos, deficiência nos sistemas de monitoramento e previsão de inundações e, principalmente, problemas no sistemas de proteção e contenção contra cheias em Porto Alegre, como por exemplo:
- Sistemas de bombeamento foram dimensionados com base em dados históricos antigos, e com defasagem técnica quanto ao seu dimensionamento;
- Os níveis de chuvas resultaram acima dos parâmetros de projeto datados da década de 1960;
- Muitas comportas não operaram com eficiência, apresentando inúmeros vazamentos ou pequenos rompimentos. Algumas comportas de emergência empenaram devido às altas energias do escoamento. Assim, de ordem geral, não foram capazes de estancar os volumes provenientes do Guaíba;
- Foram excedidos os níveis d’água operacionais das bombas, incluindo seus controles elétricos e de automação. Devido a isso, a alimentação elétrica foi obrigatoriamente desligada para evitar riscos de curto-circuito;
- Falta de alternativas de energia emergencial para suprir os equipamentos de bombeamento (Ex: geradores);
- Aparente falta de manutenção dos equipamentos;
- Retorno do escoamento nas bombas devido à falta de válvulas de retenção;
- Verificados diques rebaixados em alguns locais, além da presença de assentamentos informais em determinados trechos deles;
- Nem todas as áreas possuem diques de proteção, em particular em áreas com assentamentos informais
- Galgamento de alguns diques de proteção;
- O sistema de diques e comportas está sob operação do Dmae desde 2019, e não possui ainda um sistema robusto de ação frente a emergências.
Respostas ao desastre
Para os holandeses, uma melhoria estrutural do sistema de gestão de inundações em Porto Alegre não é possível de ser realizada em curto espaço de tempo, pois requer estudo e análise do sistema.
Eles também apontam que, para o desenvolvimento e tomada de decisão de um plano diretor para melhoria estrutural da gestão de inundações, levaria, pelo menos, dois anos.
Por fim, apontam que são necessárias medidas temporárias para a reabilitação do sistema de proteção contra inundações existente e preparar para as futuras inundações.
Entre as ações a curto prazo, os holandeses dividiram "tarefas" para três escopos.
Para o Dmae sugeriram:
- Garantir a capacidade de bombeamento temporária, em locais práticos para posicioná-los durante um evento de inundação;
- Garantir a capacidade de monitoramento dos diques. Conforme o relatório, as rupturas ocorreram devido ao galgamento e ao enfraquecimento das estruturas — por exemplo, causados por construções irregulares ao longo das estruturas. Segundo eles, isso pode ser evitado por inspeção periódica e trabalhos de reparo. A inspeção visual regular deve ocorrer anualmente e uma inspeção mais completa por especialistas a cada três ou cinco anos.
- Garantir capacidade para elevação de diques temporários. Para os holandeses, como provavelmente não será possível o reforço dos diques já existentes antes da próxima estação chuvosa, a solução mais comum para diques temporários é o uso de sacos de areia e big bags (sacos de água).
Para a prefeitura de Porto Alegre sugeriram:
- Preparar um plano abrangente de resposta a inundações de várias entidades. Conforme os holandeses, a resposta foi baseada em planos gerais e acordos de cooperação, não em um plano baseado em cenários de emergência. Ainda pontuaram que a resposta às inundações funcionou bem em maio na fase de resposta imediata, mas funcionou de forma limitada na fase de ação inicial, que corresponde ao período entre o alerta e a chegada do alto nível da água. Para um plano mais eficaz, o os pesquisadores apontaram que deve incluir previsão de inundações e alerta antecipado; que seja desenvolvido em conjunto com todas as agências envolvidas; basear-se no sistema de proteção contra inundações existente; e um plano específico para as diferentes partes da cidade.
Ao governo do Estado, indicaram o estabelecimento de um sistema de alerta precoce.
Entre as ações a longo prazo e adaptação do sistema, as medidas são estruturais, atreladas à projetos da infraestrutura de proteção contra inundações; e medidas não estruturais, associadas ao desenvolvimento de conhecimento, planejamento e articulações organizacionais e institucionais.
Entre as medidas estruturais:
- Aumento dos níveis da infraestrutura de proteção contra inundações. Recomenda-se que investigar o nível da crista dos diques e os níveis de segurança para instalações das estações de bombeamento, níveis de diques secundários como aqueles que protegem passagens sob outras estradas e ferrovias, proteção de aeroportos, acesso garantido a hospitais etc.
- Redução dos níveis de inundações ao redor de Porto Alegre. Os especialistas apontam que uma abordagem, complexa e que exigem estudos, é o conceito chamado "Espaço para o Rio", ou seja, dar mais espaço para os rios já existentes.
- Nas Estações de Bombeamento: Os limites estabelecidos para as casas de bombas terão como bases em alturas máximas de inundação. Para os holandeses, seria melhor usar como referência os níveis das estradas planejadas com base no mapeamento de riscos de inundação.
Medidas temporárias
Entre as opções apresentas uma solução envolveria uma combinação de uma medida fixa e temporária de proteção contra inundações. Sobre a região portuária do Cais, eles indicam a combinação de um dique fixo com uma altura da ordem de 1 metro, entre os armazéns e o Guaíba, e uma proteção temporária adicional com sacos grandes preenchidos com areia, elevando o nível para até 3 metros, conforme a necessidade surgir.
Medidas não estruturais
O relatório também exprime a necessidade de levantamentos e monitoramentos do Delta do Rio Jacuí, Rio Guaíba, Lagoa dos Patos, incluindo a Barra de Rio Grande. Também apontam a necessidade de verificar as dimensões atuais dos sistemas de diques existentes e suas características específicas; a construção de um Plano Diretor de Inundações e Drenagem para Porto Alegre; e um sistema de alerta antecipado de inundações.
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