Autor do livro "La economía del absurdo: Cuando comprar más barato contribuye a perder el trabajo", o espanhol Josep Burgaya, doutor em História Contemporânea e professor da Universidade de Vic, de Barcelona, é um dos participantes do 5º Fórum Internacional de Mudanças Climáticas, que ocorre no Palácio do Ministério Público, na Praça da Matriz, em Porto Alegre. A realização é do Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico Sustentável (Ilades) e do MP-RS.
Nesta quarta-feira (14), direto da Espanha, ele conversou com a coluna por telefone. Veja os principais trechos.
Como o senhor define a "economia do absurdo"?
É uma brincadeira com o tema do teatro do absurdo (designação criada nos anos 1960 para obras de dramaturgos que tinham como ponto central o tratamento inusitado de aspectos inesperados da vida humana). Fiz essa abordagem para tentar explicar que certas dinâmicas econômicas podem ser interessantes a nível individual, mas, em um conjunto, têm efeitos negativos. A globalização e a transferência da indústria para zonas com custos trabalhistas mais baixos, basicamente para a Ásia, geraram no Ocidente um problema de falta de trabalho. O paradoxo é que os produtos são obtidos a preços baixos, mas as pessoas não têm renda para comprá-los, porque não têm trabalho.
Como a economia do absurdo se liga às questões climáticas?
É um tipo de economia que não internaliza os efeitos ambientais. Ou seja, socializa os efeitos ambientais. É uma indústria que vai para países onde não existe legislação ambiental, onde os impactos são grandes. A globalização e a construção de uma economia baseada em um fluxo de bens e matérias-primas só são sustentadas quando o custo ambiental não é contabilizado. Se fosse, seria economicamente ineficiente.
Como fazer a transição para a economia verde?
No caso da União Europeia, nos últimos anos foram dados passos importantes do ponto de vista legislativo e na definição de objetivos. O problema é que, primeiro, foram adiados por causa da covid-19, depois por causa da invasão da Ucrânia pela Rússia, e isso cria problemas na Europa. Em segundo lugar, há países onde já triunfaram governos que põem em dúvida a questão ambiental. Há ainda países que priorizam o protecionismo da agricultura, que também é uma importante fonte de geração de carbono.
Como despolitizar o tema das mudanças climáticas?
Os grupos políticos, têm dificuldade em falar com clareza sobre essas questões. Se continuarmos tratando da mesma forma a questão ambiental, nada será revertido. Temos de fazer outras coisas e fazer diferente. Se não mudarmos o modelo de produção, baseado nos combustíveis fósseis, não vamos reduzir o impacto. Se continuarmos a usar a quantidade de água atualmente utilizada na agricultura, será insustentável. Não haverá água para todos. Ou seja, más notícias devem ser dadas. E o problema dos governos e da política é que não querem dar más notícias aos cidadãos.
Na pandemia criou-se um falso dilema entre salvar pessoas ou a economia. Com as mudanças climáticas é parecido?
Claro. Para inverter as alterações climáticas não precisamos regressar às sociedades de caçadores-coletores de 10 mil anos atrás. Mas não podemos manter um modelo de crescimento contínuo. Devemos caminhar para uma certa estabilização da produção econômica e produzir de forma diferente, consumindo menos energia e estabelecendo uma legislação que exija uma economia circular. Querer manter a ficção do crescimento contínuo é autoengano. Mas, claro, se alguém se candidatar e disser que vai paralisar o crescimento, ninguém vai votar nele.
Os especialistas dizem que as ações climáticas extremas vão aumentar. Portanto, o que antes parecia impossível vai acontecer.
JOSEP BURGAYA, DOUTOR EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
O senhor acompanhou a tragédia no RS?
Tenho acompanhado um pouco de longe. Acompanhei a brutalidade do que aconteceu na sua região. Os especialistas dizem que as ações climáticas extremas vão aumentar. Portanto, o que antes parecia impossível vai acontecer. Na Espanha, tivemos seca, falta de água como nunca havíamos visto. Ou acabamos com tudo isso ou revertemos tudo isso, ou o futuro talvez não o vejamos mais.
Como reconstruir melhor?
A tragédia é uma grande oportunidade para fazer melhor, porque um dos problemas que suponho que tenha ocorrido na sua região é que foram construídas cidades em áreas que impediram que a água continuasse seu curso. Em nosso país, também acontece. Como foram construídos empreendimentos em cima dos rios, quando chove muito, eles levam tudo embora. Isso é urbanismo estúpido. Se algo pode acontecer, mesmo que uma vez a cada 50 anos, é preciso evitar, porque vai acontecer. Praticamos o urbanismo selvagem, pensando naquela ideia do século 19 segundo a qual o nosso conhecimento, tecnologia e economia poderiam dominar a natureza. Em vez de conversar, colaborar, interagir com a natureza, aplicamos uma ideia de que iríamos dominá-la. Então, onde tinha rio, colocamos urbanização. Claro, um dia esse rio emerge de novo, num momento extremo. É parte do problema: acreditar que podemos construir tudo, que podemos colocar calçada em todos os lugares. No final a natureza, a água e o fogo criam uma tragédia para nós. É uma prova de que fizemos as coisas muito mal. E a reconstrução, é fácil falar, mas difícil de fazer. Mas teria de ser feita em novos parâmetros, tentando respeitar a natureza.
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