Se a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fosse um município gaúcho seria o 44º com maior população do Estado, à frente de Canguçu e logo atrás de Parobé. Teria mais moradores do que Canela, Osório e Torres, por exemplo. A comunidade acadêmica da UFRGS, referência brasileira em ciência, é constituída por cerca de 50 mil pessoas, sendo 30 mil estudantes de graduação, 13,5 mil de pós-graduação, 2.970 professores, 2.337 mil técnicos-administrativos e 1.308 terceirizados. Daí a importância da UFRGS e o do debate sobre quem irá liderá-la pelos próximos anos.
Como se viu nas últimas semanas, as articulações políticas para a escolha da nova reitoria, a prefeitura dessa "cidade", emulam os desafios que a própria democracia enfrenta no Brasil e no mundo: polarização, interferência político-partidária direta, desinformação e bate-boca em redes sociais.
Na eleição de segunda-feira (15), a Chapa 2, constituída pela atual diretora do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS), Ilma Brum, e por Vladimir Pinheiro do Nascimento, atual diretor da Faculdade de Veterinária, venceu a consulta à comunidade. Por decisão da Justiça, o processo de escolha não teve paridade, ou seja, o voto de docentes, técnicos-administrativos e estudantes não tiveram o mesmo peso no resultado. O voto dos professores valeu mais — 70%, contra 15% de cada uma das demais categorias.
O processo, no entanto, está longe do fim. Foi cumprida apenas a primeira etapa de um roteiro que incluirá, ainda, votação do Conselho Universitário (Consun) e nomeação pelo governo federal.
Nos bastidores, fontes da comunidade acadêmica relatam clima tenso. Nem mesmo o que parece certo, de que a reitoria ficará a cargo de uma mulher — afinal, as três chapas são lideradas por uma professora —, é garantido. Isso porque, por regulamento, é possível que outras chapas se inscrevam diretamente para a votação junto ao Consun. A Chapa 2, vencedora, conquistou, claramente, os professores. A Chapa 3, que tem como integrantes Marcia Barbosa, ex-diretora do Instituto de Física, e Pedro Costa, professor da Escola de Administração, reivindica vitória se o voto fosse paritário. Uma das primeiras dúvidas, segundo fontes na universidade, é como será montada a lista tríplice (Chapa 2 ou Chapa 3 em primeiro?) Alguns defendem que teria de ser na ordem descrecente (Chapa 2, Chapa 3 e Chapa 1). Na sequência, a lista vai para o Ministério da Educação (MEC), que tem a palavra final sobre o nome - leia-se o presidente Lula. Normalmente, a pasta respeita a escolha da comunidade acadêmica e nomeia a mais votada por ela, mas em 2020, não foi o que ocorreu - Carlos André Bulhões registrou a menor votação junto à universidade e foi o escolhido pelo governo de Jair Bolsonaro.
Daí outra dúvida: Lula pode escolher quem quiser. Seguirá seu gosto pessoal ou respeitará o resultado da eleição da comunidade acadêmica? A disputa ganha contornos tensos principalmente neste pleito com forte interferência político-partidária.
Em resumo, serão dois meses de fortes emoções. Em meio ao bate-boca, o terceiro grande debate, que deveria ser fundamental, acaba ficando em segundo plano: autonomia x soberania. A UFRGS é uma autarquia federal e, portanto, deve seguir a lei. Dispõe de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Mas não é soberana. Em última análise, não pode definir, sozinha, quem irá liderá-la e tampouco as regras que irá ou não obedecer.
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