Sou do tempo em que o aparelho de TV ou o computador ocupavam o centro da sala de estar. Mais pelo glamour que representavam para uma família de classe média e menos pelo desejo vigilante dos meus pais.
Metaforicamente, é hora de colocarmos o celular no centro da sala. Falo metaforicamente porque ninguém está postulando um Big Brother dentro de casa, mas é fundamental que pais e responsáveis saibam o que as crianças estão acessando diante do total e absoluto descontrole no pântano das redes sociais.
Em São Paulo, o movimento Desconecta vem crescendo, propondo a combinação de que pais não deem celular aos filhos até os 14 anos – e proíbam acesso a mídias sociais até os 16. O grupo se baseia em evidências de pesquisas sobre os danos a crianças e adolescentes dos smartphones e das redes sociais.
Lembrei dessa iniciativa a partir do mais famoso vilão digital da última semana: o jogo do tigrinho. Depois que a falta de regulação abriu caminho para pornografia incrustada em vídeos de Peppa Pig no YouTube, de conteúdos que promovem suicídio, incentivam automutilação, racismo e ódio nas plataformas da Meta e Google, agora, o território livre das redes tem facilitado que o jogo de caça-níqueis na tela de celular, oficialmente chamado de Fortune Tiger, se dissemine. Que adultos se tornem viciados em jogos de azar é uma discussão relevante, mas meu ponto aqui é as crianças, que têm se tornado presas fáceis de assédio por meio de perfis falsos que fazem solicitações de amizade, marcações em publicações sobre o “tigrinho” e abordagens com promessas de bônus em dinheiro.
Enquanto o setor das bets esportivas se prepara para se adequar a uma nova regulamentação, que entra em vigor em 2025, jogos como o do tigrinho não seguem regras claras e costumam ser hospedados em sites sediados em paraísos fiscais, sem representação jurídica no Brasil. Em tabelinha com o pântano das redes, deveria virar caso de polícia.
Como não há no horizonte políticas públicas para regulamentar as big techs no Brasil, o único antídoto para o mau uso das redes, por enquanto, é educação digital. E deveria começar na sala de estar.