Que a dissolução da Assembleia Nacional foi um tiro de pé de Emmanuel Macron quase todo mundo concorda. Que o presidente terá de engolir a ultradireita no governo é muito provável. A questão é o que significa para o mundo políticos radicais se tornarem a maior força do parlamento da 5ª República francesa pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, a se confirmarem as projeções nas eleições deste domingo (30).
Tudo isso é sintomático de um mal-estar civilizatório que vem dando as caras há alguns anos. A ultradireita vencer na Alemanha, na Áustria ou na Itália, países com recente passado autoritário, é algo compreensível, mas na França, berço da democracia moderna e fiel defensora dos direitos humanos, significa a pá de cal no sonho liberal e o fracasso dos partidos tradicionais – à esquerda e à direita.
A verdade é dura, mas o fato é que populações não se sentem mais representadas pelo centro do espectro político, modelo hegemônico desde o fim da Guerra Fria e cuja filha dileta é a União Europeia. O alto custo de vida, a deterioração dos serviços públicos, a desigualdade social, o desemprego e a desilusão estão na origem da valorização de grupos antissistema, com viés autoritário e nacionalista. Há um claro retorno ao provincianismo refratário à globalização.
No caso da França, a organização de Marine Le Pen, o Reagrupamento Nacional, não tem mais as mesmas características que tantos males causaram à Europa. Não é abertamente fascista, como prescrevia seu pai, Jean Marie. O verniz moderno suavizou sua carranca: Marine já não prega a retirada da França da UE, distanciou-se de Vladimir Putin e abandonou o discurso xenófobo e islamofóbico. Mas tudo isso está embutido em slogans como a “França para os franceses”.
Aqueles que se sentem derrotados pela globalização insuflaram o crescimento da extrema direita nas eleições ao parlamento da UE, no início de junho, e darão a vitória a Donald Trump e seu jogo de “soma zero” em novembro nos EUA. A ordem liberal internacional vinha desmoronando lentamente de uns anos para cá e, na França, essa queda pode ter alcançado o ponto de não retorno.
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