O israelense Uri Levine costuma dizer que o Waze, o aplicativo que revolucionou a forma como nos deslocamos, não é uma plataforma de navegação. Trata-se de um instrumento que ajuda as pessoas a chegarem mais rapidamente a seus destinos. Ou seja, quando criou o app, em 2007, ele pensou em resolver um problema enfrentado nas grandes cidades, os congestionamentos.
A partir dessa forma de pensar, que foca no problema e não na solução, é que Uri tem ajudado criadores de startups a encontrarem valor em seus produtos. Essa é a mensagem que ele pretende passar em sua palestra, nesta quarta-feira (20), no South Summit, em Porto Alegre.
O Waze foi vendido ao Google por mais de US$ 1,1 bilhão. Uri ainda é membro do conselho do Moovit, outro aplicativo de sucesso, também avaliado em mais de US$ 1 bilhão. Assim, o empresário tem dois unicórnios, expressão utilizada pelo ecossistema de inovação para caracterizar startups com preço de mercado superior a US$ 1 bilhão.
Nesta estrevista, concedida na terça-feira (19), durante visita à RBS, Uri fala sobre inteligência artificial, futuro da comunicação, mobilidade urbana e seus planos para novas startups.
Qual será a mensagem que você vai passar nesta quarta-feira à plateia do South Summit?
Eu diria: apaixone-se pelo problema. Sou um empreendedor. Construo startups, fiz Waze e Moovit e meia dúzia de outras startups de sucesso. Mas também sou professor e me sinto igualmente recompensado quando construo coisas eu mesmo ou guio alguém para construí-las. O que estou tentando fazer em um evento como o South Summit é ajudar os empreendedores a se tornarem mais bem-sucedidos e a criarem valor para eles próprios. Em grande parte, isso tornará o mundo um lugar melhor porque aumentam suas chances de sucesso.
Como você imagina o futuro da comunicação?
Ninguém pode imaginar isso. Pense que, se tivésemos uma máquina do tempo e voltássemos 15 anos, isso significa que eu vou tirar seu iPhone, o Waze, o WhatsApp, a Netflix e o Uber e praticamente tudo o que usamos todos os dias. E isso é apenas em 15 anos. A propósito, não tenho certeza se as pessoas sobreviveriam se isso acontecesse com elas. Mas quando você tenta pensar 15 anos no futuro, sabemos que o ritmo da inovação está aumentando. E, portanto, isso será ainda mais dramático do que as mudanças que vimos até agora. Há 15 anos, costumávamos falar ao telefone. Hoje, quase não fazemos mais isso. Passamos cerca de seis, sete, oito, nove horas por dia no smartphone. E esse é o instrumento que usamos mais do que qualquer outra coisa em nossa vida.
Um desafio para muitas empresas é se comunicar com seus clientes. Como você sabe o que o público quer, o que deseja?
Falhar rápido. Simples assim. Você tenta pelos canais digitais que são muito mais rápidos em termos de resposta, vê a reação e o que eles (os consumidores) gostam. No final do dia, se você criar valor para eles, eles voltarão. Se puder envolvê-los com os canais que fazem sentido para eles, eles continuarão usando. Se eles não estiverem (engajados), isso significa que esse não é o caso. A melhor maneira de descobrir (por que algo não funcionou) é perguntar às pessoas a razão de terem parado de usar algo.
Empresas tradicionais devem pensar como startups?
Definitivamente, precisamos mudar o ritmo da inovação. Imagine que os dois canais de comunicação mais bem-sucedidos hoje são o Instagram e o TikTok. Eles são jovens, têm cerca de 10 anos. É realmente importante perceber que as mudanças, quando acontecem, são geralmente bastante dramáticas nesse espaço. E devemos surfar a nova onda dessas mudanças. Então, se a plataforma está se movendo, precisamos garantir que estamos movimentando nosso conteúdo. Se não fizermos isso, vamos perder.
Você costuma citar Ben Horowitz (um dos nomes mais conhecidos no mercado de venture capital). Ele diz que todo criador de startup geralmente dorme como um bebê, acordando a cada duas horas chorando. Mas isso não é algo que ocorre com todo empresário?
Todos os negócios são difíceis, certo? Uma startup é uma jornada de montanha-russa, com altos e baixos. Todos os negócios têm altos e baixos, mas a frequência desses altos e baixos quando você está construindo uma startup é muito maior. E, especialmente nos primeiros dias, antes de você descobrir a adquação do produto com o mercado. No final do dia, é aqui que você cria valor para seus clientes. E você nunca ouviu falar de uma empresa que não descobriu a adequação do seu produto ao mercado. Elas simplesmente morrem, não é? Uma empresa existente já descobriu o encaixe do produto no mercado e é menos provável que seja comprada tão rapidamente. Assim, uma startup está enfrentando a morte todos os dias, talvez várias vezes ao dia. Pense nos aplicativos que você usa todos os dias: Waze, WhatsApp, Facebook, buscas no Google, seja lá o que for, e se pergunte qual é a diferença deles hoje em relação à primeira vez que você os usou. A resposta é que não há diferença. O Google hoje funciona da mesma maneira de quando começamos a usá-lo pela primeira vez em nossa vida. O mesmo ocorre com Waze ou Netflix ou Instagram. Uma vez que uma empresa descobre o valor que cria, ela não muda. O que não sabemos é quanto tempo isso levou. Porque, antes disso acontecer, nunca ouvimos falar (dessa empresa). Normalmente são anos.
Funciona para o jornalismo também?
Quanto tempo leva para criar valor? Quanto tempo leva para conquistar os seus ouvintes? Para que cada vez mais pessoas queiram ouvir ou estejam ansiosas para ler os seus artigos? Leva tempo. Criar valor leva tempo.
Hoje em dia, há dificuldade em prender a atenção do público. Como atrair a atenção das pessoas para os produtos?
Em geral, por meio de redes sociais. Você precisa chegar às pessoas e elas precisam compartilhar isso. Essa é a melhor maneira.
Em seu livro, você fala sobre a importância de se apaixonar pelo problema, não pela solução. Por quê?
Nos apaixonamos pelo problema e não pela solução porque, no final das contas, a jornada é sobre a criação de valor. A maneira mais simples de criar valor é resolver um problema. Se você se concentrar no problema, duas coisas acontecem: em primeiro lugar, você permanece focado nos objetivos de criação de valor e o problema serve como a estrela guia de sua jornada. Quando você tem uma estrela guia, vai fazer menos desvios de curso e aumentar a probabilidade de ser bem-sucedido. A outra parte é ainda mais importante: sua história será muito mais cativante. Imagine que estivéssemos em 2007 e eu te diria: "Vou construir um sistema de navegação baseado em inteligência artificial e colaboração coletiva". Você diria: "Muito interessante". Mas não se importaria. Agora, se eu te dissesse: "Vou te ajudar a evitar engarrafamentos". Aí, você se importaria. Então, quando você conta uma história sobre o problema, você cria um envolvimento emocional com a audiência e as pessoas passam a desejar que você tenha sucesso. E quando elas querem que você tenha sucesso, adivinha só? Você vai ter sucesso.
Por que você escolheu o Brasil como o segundo país para lançar seu livro? Acredita que o mercado de startups aqui está crescendo?
Acho que o Brasil tem um mercado incrível. Diria que o Brasil é o segundo maior mercado, depois dos EUA, para o Waze. O Brasil é um país com 220 milhões de pessoas, e elas adotam tecnologia rapidamente. É sempre um bom mercado para se estar. Além disso, acho que o ecossistema aqui é bastante dramático. Quando comecei com o Waze, em 2007, havia apenas um unicórnio (start ups com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão) em todo o continente. Era o Mercado Livre. Hoje, existem 30, 40, 50 unicórnios, o que significa que o ecossistema mudou drasticamente. Sei que o ecossistema aqui precisa de mais para se tornar ainda mais bem-sucedido. Para o ecossistema, existem quatro fundamentos. O fator de medo do fracasso — quanto menor o medo do fracasso, mais as pessoas estão dispostas a correr riscos e, portanto, você tem mais proteção. Você precisa de investidores — e a boa notícia é que há muitos investidores no mercado local. Você precisa de engenheiros — e eu diria que não há o suficiente, mas é o que temos. E você precisa de experiência — meu livro traz a experiência para o ecossistema. E como esse é um mercado que tem necessidade de experiência, eu pensei que esse livro teria um impacto maior no Brasil, e acabou sendo bastante bem-sucedido aqui. Está vendendo ainda mais rapidamente do que nos EUA.
Em relação ao ecossistema de inovação, você acha que as pessoas no Brasil têm medo de cometer erros ou correr riscos?
Em geral, sim. Construir uma startup é uma jornada de montanha-russa, mas também é uma jornada de falhas. Estamos tentando construir algo novo que ninguém fez antes. Pensamos que sabemos exatamente o que estamos fazendo. Mas a realidade é que não sabemos. Então, tentamos. Tentamos uma coisa e não funciona. Tentamos outra e não funciona. Continuamos tentando coisas diferentes até encontrarmos algo que funcione. Agora, se você perceber que construir uma startup é uma jornada de falhas, então existem duas conclusões imediatas. A primeira é muito simples: se você tem medo de fracassar, então na realidade você já fracassou porque você não vai tentar. Albert Einstein costumava dizer que se você não falhou, é porque não tentou coisas novas. Se você vai tentar coisas novas, você vai falhar. A segunda é falhar rápido, porque, quanto mais rápido você falhar, você ainda terá muito tempo para tentar algo diferente. Acho que, em geral, na América Latina e no Brasil, o medo do fracasso é relativamente alto. As pessoas têm medo de falhar. Se você quer inovar, então você tem de abraçar as falhas e aceitar que essa é a jornada. Não é sobre você, é sobre a jornada.
Algumas pessoas veem a inteligência artificial como uma oportunidade, mas outras a veem como uma ameaça, algo perigoso. Como você vê a IA?
Quando olhamos para a história da inovação, em particular a inovação digital, você pode dizer: tudo foi usado para coisas boas e para coisas ruins. Porque, se você olhar para a inovação, em muitos casos ela vem de usos inadequados. Os primeiros usuários da internet a utilizavam para jogos de azar, pornografia, tráfico de drogas e assim por diante, então obviamente coisas ruins também acontecem. Mas, no final das contas, se você se perguntar se preferiria um mundo sem a internet... Tudo, para nós, está na internet. Provavelmente veremos o mesmo com a IA. Veremos alguns casos de uso que não gostaríamos, mas em geral isso vai aumentar a produtividade.
Você disse que a indústria automobilística, como a conhecemos, vai morrer. Como você acha que a IA será capaz de ajudar na mobilidade urbana?
O carro autônomo é sobre IA, certo? Não é baseada em linguagem, é baseada em visão de IA. Imagine por um segundo que você não precise mais ter um carro. Você pode estalar os dedos, o carro aparece para te levar para onde quiser, você estala os dedos novamente e o carro desaparece. A única coisa que você precisa aprender é como estalar os dedos. Então o resultado é que o número de carros vendidos vai ser muito menor, o número de quilômetros dirigidos vai ser muito maior porque será mais acessível. Isso pode significar mais congestionamentos. Se você pensar na indústria automobilística, se não mudar seu modelo de vender carros para vender quilômetros, você vai morrer. Se você vende seguro de carro, se você não mudar seu modelo de vender por carro para vender por quilômetro, você vai morrer. Se você tem uma autoescola, o seu negócio vai morrer na próxima geração. A próxima geração não vai dirigir. Depois, se dissermos a eles que costumávamos dirigir carros nós mesmos, eles não vão acreditar. Agora parece estranho. Mas quando eu estava na escola primária, um dia pedi ao meu pai para me levar à escola. Não era muito longe. Ele disse para eu ir a pé e eu tentei argumentar, e ele me disse: "Sabe, quando eu tinha sua idade, eu ia para a escola de burro". Eu não acreditei nele.
É verdade que você tem uma lista de problemas para resolver?
Eu tenho. A boa notícia é que há muitos problemas. A má notícia é que há muitos problemas.
Como você escolhe os problemas a serem resolvidos primeiro?
Em muitos casos, o gatilho para mim é a frustração. Se entro em algo e fico frustrado, eu me pergunto se sou o único. Mas, se muitas pessoas realmente têm o mesmo problema, então eu começo a pensar se isso pode ser resolvido. Cada empreendedor que vem até mim, digo para começar com um problema. Pense em um problema, um grande problema, algo que valha a pena resolver. Algo que, se você resolver, o mundo se tornará um lugar melhor.
Muitos países realizam eleições este ano, incluindo o Brasil. Como você avalia os riscos de a IA contribuir para a construção de imagens mentirosas e campanhas de difamação por meio de "deep fake news"?
A IA nos deixa estúpidos? Possivelmente, sim. Se não soubermos mais como distinguir entre real e falso, então estamos menos críticos e talvez nos tornemos insensíveis.
Você costuma dizer ao seu público sobre a necessidade de os pais incentivarem seus filhos a correrem mais riscos. Você fez isso com seus filhos?
Claro. No final do dia, o que todos os pais do mundo gostariam é que que seus filhos sejam felizes. E uma chave para a felicidade é que você goste do que está fazendo. Você se sinta realmente empoderado pelo que está fazendo em sua carreira ou em seu trabalho diário. Encorajo meus filhos a encontrar algo em que sejam bons e de que realmente gostem. Porque isso vai ser a pedra fundamental. Mas como você sabe o que é? Você não sabe. Então, eles têm que tentar. Portanto, eu os encorajo a falhar ao longo do caminho. Você não os julga. Toda vez que eles falham, eles se levantam mais fortes. Quando se levantam mais fortes, sabem que está tudo bem falhar, porque sempre podem se levantar, e essa é a diferença.
Você acredia que deveria haver algum tipo de regulamentação para as redes sociais?
Absolutamente. Por dois motivos. Primeiro porque há um duopólio: Google e Facebook controlam mais de dois terços da publicidade. Obviamente, quando há um monopólio ou um cartel ou duopólio, não é bom para o mercado. É bom para Google e Facebook, mas não para o mercado. Precisamos controlar como estamos mantendo o mercado competitivo. Quando há monopólio ou duopólio, não se tem um mercado competitivo. A segunda parte é que eles têm muita informação. Eles coletam e reúnem muita informação sobre as pessoas, e isso deveria nos assustar.
Você mora em Tel Aviv, Israel. Como você vê a guerra, depois de sete meses?
A nova solução para o Oriente Médio exige que o Hamas já não exista e então possamos pensar em soluções diferentes. Agora, obviamente, se me perguntarem se acredito que Israel precise controlar 2 milhões de palestinianos nas ruas de Gaza, não, mas não podemos permitir que ocorra outro ataque com o do dia 7 de outubro.
Quais são seus próximos passos?
Estou sempre construindo startups. Portanto, tenho cerca de oito delas em preparação e algumas estão avançando mais rápidamente do que outra. E, com meu livro, espero ajudar cada vez mais empresários a se tornarem mais bem-sucedidos. Então, estou muito ocupado. Mais do que nunca.