Um grupo de fuzileiros navais avança em meio a casebres. Os fuzis estão apontados para o inimigo, que pode estar em qualquer viela, à espreita, atrás de uma porta ou janela. Os militares olham fixo para todos os lados. O suor escorre pelo rosto. Há tensão no ar. "Embutidos" na tropa estão jornalistas, com câmeras, celulares, blocos e canetas, registrando a ação. De repente, começa o tiroteio.
É difícil saber de onde os disparos são efetuados. A frequência cardíaca dispara. É preciso correr. Mas sem desespero. Um passo em falso, no cenário de combate, pode resultar na morte - dos combatentes e de quem está no teatro de operações para reportar a notícia.
Esse cenário poderia ser Kiev, na Ucrânia, mas é o Rio de Janeiro, Brasil. Não se trata, no entanto, de mais uma das tantas ocupações policiais nas favelas cariocas dominadas pelo tráfico de drogas.
Tudo é uma simulação, parte de um dos exercícios mais importantes de uma semana de aulas no Centro de Operação de Paz de Caráter Naval (COpPazNav), nas dependências do Complexo Naval da Ilha do Governador.
A instrução da tarde de quarta-feira (13) emula uma operação real de combate em ambiente urbano. A guerra dentro de uma cidade é um dos cenários mais complexos para uma força de ocupação. O inimigo conhece bem o terreno, mimetiza-se entre moradores inocentes e pode estar em qualquer lugar. Há armadilhas por toda a parte. Na vida real, mesmo com maior capacidade militar, a Rússia não conseguiu ocupar Kiev, por exemplo.
Profissionais de imprensa, que por dever da profissão precisam estar muito perto dos fatos para reportá-los ao público, acabam muitas vezes se tornando alvo. O ano de 2023, por exemplo, foi trágico para repórteres, cinegrafistas e fotógrafos: pelo menos 99 profissionais foram mortos, três quartos deles na guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Foi o maior número desde 2015.
Por isso, cursos para preparação de jornalistas na cobertura da segurança pública ou em conflitos no Exterior têm se tornado cada vez mais importantes. No Brasil, o mais antigo é organizado pelo Exército no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), unidade criada em 2005 para especialização de militares brasileiros designados para operar em missões de paz das Nações Unidas, como a realizada durante 13 anos no Haiti.
Agora, a Marinha também lança seu programa de instruções, só que com foco em operações navais. De segunda (11) a sexta-feira (14), a convite da Força, acompanhei as aulas como aluno, junto com outros 33 jornalistas de veículos de comunicação brasileiros.
Boa parte das instruções foram feitas por fuzileiros navais, combatentes especializados em operações anfíbias, em que há desembarque a partir do mar em uma praia hostil. Durante 44 horas/aula, aprendemos primeiros socorros e observamos disparos feitos a partir de diferentes fuzis e calibres. Para contribuir com a segurança dos jornalistas, foram ensinadas técnicas para descobrir se os tiros estão distantes ou se vêm em nossa direção.
Mesmo que muitos dos ensinamentos tenham como objetivo a proteção de profissionais em cenários de guerra, há também lições para situações de crise domésticas, como protestos violentos que não raro acabam com a utilização de gás lacrimogêneo pela polícia. Respirar nesse ambiente e continuar reportando tornam-se desafio para os profissionais de imprensa no front.
Um dos pontos altos da semana cheia de atividades que exigiram equilíbrio psicológico, superação do medo e algum preparo físico, foi uma missão simulada de evacuação de uma unidade de capacetes azuis em meio à iminência de um ataque. Sob gritos de alerta, os jornalistas precisaram vestir colete à prova de balas e capacete às pressas, deixar o prédio onde estavam e ingressar em veículos blindados.
No meio do corre-corre, teve início um tiroteio. Era hora de experimentar, na prática, a teoria aprendida na sala de aula. O tronco de uma árvore vira um abrigo. Não há tempo para indecisão. Em meio aos "disparos", o grupo se dividiu. Uma parte foi "sequestrada". Os demais conseguiram alcançar o comboio de carros de combate para a fuga. Faltava só ingressar, por uma rampa, no Carro sobre Lagarta Anfíbio (o CLAnf), conhecido como "sapão". O veículo é um dos expoentes dos fuzileiros e tem sido utilizado no Rio em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) contra o tráfico de drogas. Possante, ele arrastou as lagartas em direção à praia. No interior, sentimos que o matraquear do atrito com o solo era substituído por uma sensação de leveza. Incrivelmente, as 29 toneladas de ferro e aço flutuavam nas águas da Baía da Guanabara. Missão cumprida para esse grupo. Terminado o exercício, exaustos, avaliamos erros e acertos da evacuação.
O curso foi encerrado com uma visita ao Navio Patrulha Macaé.