Mais do que uma vitória de Vladimir Putin, o resultado dos quatro dias de teatro político que o Kremlin chama de eleição é a prova do fracasso do Ocidente.
No último dia 24 de fevereiro, o mundo lembrou os dois anos da atual guerra na Ucrânia. Você, assim como eu, deve recordar que, quando os blindados de Putin adentraram nas fronteiras ucranianas, aquela foi apenas a materialização da invasão. A guerra propriamente dita começara bem antes, em 2014, com a ocupação da Crimeia, outro território ucraniano arrancado à força pela Rússia.
Em fevereiro de 2022, Putin apenas concretizou aquilo que já estava previsto havia meses. Bastava observar o acúmulo de forças militares que o governo russo vinha juntando nos limites da Ucrânia, sob o olhar complacente do Ocidente.
A reação dos Estados Unidos e da Europa à invasão veio na forma de sanções econômicas. A Rússia foi banida do sistema financeiro internacional. Só esqueceram-se de um detalhe: esse sistema, na verdade, representa um arcabouço de regras desenhadas pelo Ocidente após a Segunda Guerra Mundial. É a imagem e semelhança do poder de Washington. E, assim como a URSS sabia driblar, durante a Guerra Fria, as exclusões impostas pela Cortina de Ferro, a Rússia de Putin se socorreu em alternativas: na "aliança inquebrantável" com a China, em negócios com a Índia e com o Brasil (parceiros dos Brics) e graças a vizinhos como Belarus, Cazaquistão e Armênia. Como se sabe, sanções nunca funcionaram como punição - nem contra Cuba, nem contra a Coreia do Norte nem contra o Irã. Não funcionou nem funcionará contra a Rússia.
E, assim, a economia russa não apenas sobreviveu, mas também cresceu - mais do que muitos países do G7, inclusive. O Produto Interno Bruto (PIB) ainda não está no patamar de 2021, quando houve aumento de 5,6%. Mas também não é o horror de 2022, o ano da invasão, quando a economia caiu 1,2%. Em 2023, o aumento foi de 3,6%. A inflação se mantém baixa.
Tudo isso corrobora para a popularidade de Putin, que é maior do que antes da guerra - saltou de 69% em janeiro de 2022 para 85%. Assim, ainda que a eleição não seja transparente, a oposição esteja silenciada e não haja liberdade de imprensa, o índice não fica muito distante do alcançado nas urnas (87%, segundo o governo).
A verdade é que Putin venceu. Como mudou as regras do jogo, o neoczar do Kremlin, que assumiu em 1999, poderá concorrer por um novo mandato de mais seis anos em 2030 - ou seja, provavelmente irá superar Stalin, que ficou 31 anos mandando e desmandando na URSS. Putin, alternou cargos, como de primeiro-ministro de 1999 a 2000 e de 2008 a 2012, mas, na prática, era ele quem exercia o poder.
No novo jogo da guerra, o Ocidente perdeu - até porque, hoje, os russos encaram, em suas mentes, uma guerra não mais contra a Ucrânia, mas contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Dito isso, a pergunta é: o que virá. Sem dúvida, o governo russo está mais forte e cada ação do presidente será respaldada, na retórica, pela suposta legitimidade das urnas. Vale para asfixiar ainda mais a oposição, justificada pelo Kremlin como um ameaça à segurança nacional, ou para imaginar o futuro da guerra na Ucrânia.
Nesta segunda-feira (18), Putin, em discurso na Praça Vermelha para celebrar o resultado da eleição e os 10 anos da anexação da Crimeia, deu indícios de que não irá parar. Declarou, por exemplo, que as regiões anexadas - além da Crimeia, partes do Donbass -, são parte da "nova Rússia".
Será um longo e, para os ucranianos, penoso período de oito meses até a eleição americana, em novembro. Ela vai selar o destino da nação. Se Joe Biden for reeleito, há alguma expectativa de o conflito seguir em baixa intensidade, com o apoio à Ucrânia menor do que no início da guerra, mas contínuo. Se Donald Trump ganhar, o jogo acabou. A Ucrânia deixa de existir como país. Putin e a "nova Rússia" vencem. De novo.