Passada a "Superterça", dia em que foram realizadas várias prévias simultâneas em 24 horas nos Estados Unidos, Donald Trump e Joe Biden estão praticamente confirmados como candidatos de seus partidos para disputar a eleição deste ano. É uma questão de semanas para se tenha a indicação oficial.
A partir do resultado de cada legenda, já é possível tratá-los como adversários em 5 de novembro, que será uma repetição do pleito de 2020.
Não é difícil projetar como seriam seus novos mandatos - afinal, cada um governou os Estados Unidos durante quatro anos. Nenhum é uma incógnita, e suas concepções de mundo são completamente divergentes.
A coluna faz um exercício de como seria o mundo sob novos mandatos de Trump e de Biden.
O MUNDO SOB TRUMP
Economia e ambiente
O mercado financeiro mantém preferência por Trump, que tem uma agenda política voltada para a redução de impostos. Um ano antes da eleição e que o republicano perdeu, os EUA viviam uma situação econômica espetacular - antes da pandemia, a taxa era de 3,5% de desemprego era a menor em 50 anos. Em um novo mandato, o setor de produção de energia deve receber investimentos - Trump, como empresário, sempre foi muito crítico ao que vê como excesso de regulamentação em áreas como a ambiental, por atrasar, ainda segundo sua visão, investimentos nos setores de energia. Empresas de exploração de gás natural e petróleo serão beneficiadas. Vale lembrar que o republicano, ao longo de seu mandato, retirou os EUA do Acordo de Paris, que estabelece metas para redução de gases que provocam o efeito estufa. O protecionismo comercial que caracterizou seu primeiro mandato provavelmente retornará com força, com a imposição de tarifa de 10% sobre todas as importações.
Estilo
Trump implantou um estilo diferenciados de governar. Usava e abusava da retórica incendiária para mobilizar sua base de apoio e utilizava as redes sociais para se comunicar com seus seguidores, atacando jornalistas e, por vezes, lançando mão de informações falsas para ganhar maior popularidade. Trump parece ter se tornando mais beligerante do que no passado - se vencer, é possível que aprofunde a retórica radical.
Armas
A agenda do ex-presidente reforça os gastos com armamentos - no setor de Defesa, pode-se destacar companhias produtoras de aviões militares -, mas também o mercado de armas leves deve ser favorecido. Trump é a favor do relaxamento das regras para porte de armas. Para ele, cidadãos armados é uma garantia de liberdade do indivíduo.
Aborto
As pautas de costumes costumam demarcar diferenças importantes entre Trump e Biden. Em relação ao aborto, a jurisprudência do direito foi anulada pela Suprema Corte dos EUA em 2022. A medida permitiu que cada Estado definisse sua própria regra sobre interrupção da gravidez. Embora Trump não estivesse mais no governo, a decisão contrária ao aborto foi tomada por uma Suprema Corte de maioria conservadora - o ex-presidente indicou três juízes em quatro anos, mudando o que era uma composição equilibrada entre liberais e conservadores.
Democracia
Trump promete anistiar todos os participantes da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e usar a máquina do Departamento de Justiça para reprimir opositores. O plano inclui garantir maior controle da Casa Branca sobre a instituição, que ele poderia usar para se vingar de críticos e ex-aliados. O ex-presidente já disse que pretende nomear um promotor especial para perseguir o que considera "o presidente mais corrupto da história dos EUA", Joe Biden.
Migração
Trump promete fechar as fronteiras aos imigrantes ilegais e realizar a maior operação de deportação da História. Sob seu governo, tornaram-se famosas as imagens de crianças migrantes separadas dos país e levadas para prisões. No primeiro mandato, ele tentou construir um muro entre os EUA e o México, como forma de barrar a imigração ilegal. Não conseguiu. Não deve voltar com essa ideia, mas já deixou claro que parar "a invasão" na fronteira sul é necessidade urgente de segurança nacional. A ideia de prender imigrantes sem documentos e enviá-los a campos de detenção para aguardarem deportação voltaria.
Ideologia
Trump representa uma linha ideológica que é mais forte do que o próprio Partido Republicano. No poder, ele irá inspirar movimentos conservadores radicais mundo afora, que têm como raiz a Alt-right americana. Seus seguidores acreditam que o mundo vive uma guerra cultural e encaram como inimiga a esquerda e o chamado globalismo, que, em sua visão, é o contrário do patriotismo.
Política externa
Pode-se esperar um retorno do isolacionismo americano - a rigor, o slogan "America First" ("América Primeiro"). Essa postura tende a criar tensões com aliados históricos, como os europeus. No passado, Trump ameaçou deixar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), caso os parceiros da aliança militar não elevassem os percentuais de investimento em Defesa no grupo. Caso se confirmasse isso, a Europa ficaria vulnerável aos anseios da Rússia. O ex-presidente provavelmente cortará o apoio financeiro à Ucrânia por não ver vantagens para os americanos - o que, em semanas, resultaria na vitória de Putin e no esfacelamento do país invadido. Em relação à China, deve haver o acirramento da tensão e novas medidas protecionistas. Sobre o conflito entre Israel e Hamas, Trump voltará a se aproximar do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, sem críticas. No primeiro mandato, ele transferiu a embaixada americana para Jerusalém, reconhecendo a cidade como capital de Israel. Ele também é contra a solução de dois Estados - um israelense e um palestino independentes e com fronteiras demarcadas.
Brasil
Trump tem grande afinidade ideológica com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Essa aproximação deve dificultar as relações com o governo Lula nos dois anos de mandato que o brasileiro ainda terá.
O MUNDO SOB BIDEN
Economia e ambiente
Tão logo assumiu, em 2021, o democrata recolocou os EUA no Acordo de Paris. O tema ambiental vem sendo um dos pilares de seu governo, que criou a figura de um enviado para o Clima, o ex-senador John Kerry, espécie de ministro informal. Com a continuidade de Biden, pode-se esperar o reforço no setor de energias renováveis. O segundo mandato pode ampliar ainda mais as políticas voltadas para a produção de energia limpa. Biden também propos o imposto mínimo para bilionários de 25%, na ideia de que isso acarrecadaria US$ 500 bi pelos próximos 10 anos para maiores investimentos em políticas sociais. O desemprego é um dos mais baixos da história, o PIB deve crescer 2,2% este ano e a inflação, que chegou a 14%, baixou para 3,1%.
Estilo
Biden apostou no retorno de uma política de baixo perfil. O democrata faz uso comedido das redes sociais, em geral para manifestações oficiais.
Armas
Biden tornou mais rígidas as regras para porte de armas, com vistas a limitar a circulação dos equipamentos. Uma das mais importantes decisões foi o decreto que tornou mais restritas as regras de verificação de antecedentes de pessoas interessadas em comprar armamentos. Para o democrata, mais armas nas ruas corrobora para massacres em escolas e universidades.
Aborto
Biden tem culpado Trump pelo que chama de "caos" provocado pela anulação da decisão judicial que garantia o direito ao aborto no país, a jurisprudência Roe vs. Wade. A decisão da Suprema Corte permitiu que Estados definissem suas próprias regras sobre interrupção da gravidez. Embora não dependa só do presidente, ele tem prometido que, se houver um Congresso com maioria democrata, ele "restaurará Roe vs. Wade como lei".
Democracia
Tão logo assumiu, Biden convocou a "Cúpula para democracia", um evento virtual contra o autoritarismo e a corrupção e em prol dos direitos humanos. O país vivera a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro, e, durante a eleição, houvera esforços do Partido Republicado de restringir a votação antecipada e por correio. A defesa da democracia passou a ser utilizada em âmbito mais amplo - a guerra da Ucrânia, para Biden, é uma espécie de luta entre democratas e autoritários.
Migração
Migrantes sem documentos têm cruzado a fronteira dos EUA em números recordes - 2,5 milhões só em 2023. Devido à falta de infraestrutura e de capacidade administrativa, surgiram cenas de caos, superlotação e desespero. Biden deve aprofundar, em segundo mandato, a abordagem mais dura, semelhante à de Trump, limitando a capacidade dos solicitantes de asilo de entrar nos EUA e aumentando as deportações. Um projeto de lei bipartidário passou no Senado, mas está bloqueado na Câmara: ele prevê a contratação de 1,5 mil agentes e oficiais de segurança de fronteira, mais cem juízes de imigração para ajudar a resolver 2 milhões de casos, mais 4,3 mil agentes de asilo e novas políticas para que possam lidar com situações de forma mais rápida.
Ideologia
Como fez ao longo da campanha anterior, Biden tem vendido aos eleitores a ideia de um retorno aos princípios dos "Pais fundadores", à noção de que os EUA são um "povo escolhido" para liderar o mundo e as democracias.
Política externa
É a favor de uma agenda multilateral, engajando-se e reconhecendo o papel dos Estados Unidos em organizações como as Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras. Biden seguirá dando apoio total à Ucrânia, junto com os aliados europeus, ainda que enfrente críticas internas sobre os bilhões gastos em uma guerra tão distante. Sobre a China, os canais de comunicação seguirão abertos, ainda que o conflito comercial também seja intenso e enfrente desafios como a questão de Taiwan. O democrata tende a seguir apoiando Israel (que chamou de "apoio vitalício"), mas com críticas ao que considera desproporcional a reação ao ataque terrorista do Hamas, em outubro do ano passado. Biden defende a solução de dois Estados para a região.
Brasil
A reeleição de Biden seria melhor para Lula, que vê semelhanças ideológicas em questões relativas às mudanças climáticas e defesa da democracia.