O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, cometerá um erro histórico se invadir Rafah, na fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egito, como tem prometido. O local é uma espécie de santuário para milhares de refugiados palestinos que fugiram do norte e do centro do território cercado por Israel.
No bolsão, relativamente poupado até agora das bombas, metade dos 2,4 milhões de habitantes de Gaza está abrigada - alguns devido à expectativa de conseguir fugir para o Egito, outros porque é o único local até agora seguro e outros ainda porque sonham, um dia, regressar a suas casas.
Sabe-se que o Hamas utiliza como tática infame esconder seus combatentes entre a população civil, usando-a como escudo humano. Logo, é muito provável que, nessa zona de miséria no sul de Gaza, existam terroristas infiltrados entre as famílias de refugiados. Mas desentocar os terroristas com uma ação militar terrestre é praticamente impossível sem consequências humanitárias trágicas. Avizinha-se um massacre.
Pressionado pelo governo Joe Biden a recuar, Netanyahu tem prometido uma passagem segura para os civis:
- Vamos fazer isso ao garantir a passagem segura da população civil, para que possam sair - disse à rede ABC.
Mas não está claro para onde tantas pessoas que estão amontoadas em barracas improvisadas poderiam ir. O Egito provavelmente não abrirá os portões de Rafah para a fuga nem Israel permitiria a saída sem fazer uma peneira difícil de ser executada em um cenário de guerra assimétrica: é muito difícil separar quem é terrorista de quem não é. Até ambulâncias e hospitais são feitos de escudo no atual conflito.
O histórico do governo israelense até aqui também não depõe a seu favor: o simples aviso à população civil de que uma zona será considerada área de guerra, logo alvo de mísseis, não tem sido suficiente para evitar mortes. Rafah é também a principal rota de fornecimento de ajuda humanitária, leia-se comida, água e medicamentos, ao território.
Israel, que já perdeu a guerra da opinião pública internacional, diante de excessos na reação aos atentados terroristas de 7 de outubro, corre o risco, agora, de se isolar ainda mais. Se levar adiante a ofensiva a Rafah, haverá consequências históricas, um retrocesso do ponto de vista diplomático sem precedentes.
O Egito, por exemplo, ameaça suspender seu tratado de paz. Os acordos de Camp David, de 1978, e a consequente assinatura do documento, em 1979, são a pedra angular da estabilidade do Oriente Médio há quase meio século. Com mediação decisiva do então presidente americano, Jimmy Carter, o líder egípcio Anwar Al Sadat, e o premier israelense, Menachem Begin, apertaram as mãos na Casa Branca, em uma cena improvável para os inimigos de três décadas. Seus principais pontos: o mútuo reconhecimento de ambos os países, a cessação do estado de guerra que permanecia desde o conflito de 1948, e a completa retirada por Israel de suas forças armadas e civis do resto da Península do Sinai, capturada na Guerra dos Seis Dias (1967). O acordo também garantiu a passagem de navios de Israel através de Canal de Suez.
Romper o pacto por causa de Rafah significaria, tecnicamente, que Egito e Israel estariam, de novo, em situação de guerra.