Nome de peso do setor empresarial brasileiro, o diretor da Be8, Eramos Carlos Battistella tem circulando pela COP28, em Dubai, defendendo maior pragmatismo das conferências mundiais do clima. Ele acredita que esses eventos das Nações Unidas, que contam cada vez mais com participação de empresários e CEOs de várias partes do mundo, precisam ser mais pragmáticos e rápidos, estabelecendo metas a curto prazo para dar respostas às populações, que devem, na opinião do gaúcho, mudar hábitos nesse novo capítulo da história em que ambiente e desenvolvimento econômico devem andar lado a lado.
Diretor do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), passo-fundense integra, desde o início do ano, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável do governo federal, o chamado "conselhão". Ele conversou com a coluna no estande do Brasil na COP28. A seguir os principais trechos.
Em que momento os empresários passaram a ver as conferências mundiais do clima como oportunidade de negócios?
A virada ocorreu em Glasgow, em 2021, porque ali tivemos o maior número de empresas, empresários e CEOs. Espero que, no Pará, em 2025, possa haver nova virada. As COPs estão ganhando mais pragmatismo, mas ainda estão longe do que precisamos: sair com ações mais concretas sobre o que fazer. Não do que fazer em 2030 ou 2050, que também é importante, tem de manter. Mas o que fazer no próximo ano, daqui a dois anos. Ações mais concretas e mais rápidas para que a população possa ver que as COPs estão gerando resultado. Muitas vezes, as pessoas não têm essa percepção porque as coisas são tratadas a longo prazo. Espero que a COP no Pará, em 2025, possa trazer isso.
As discussões ficam muito em níveis de governo. Como as empresas podem transformar as COPs também em negócios?
O primeiro passo é ter empresas, empresários e executivos participando. É o que estamos vendo mais desde Glasgow. Agora, quem faz a política pública, quem dá os direcionamentos, são os governos. O setor produtivo vai se adaptando, fazendo as leituras, se antecipando em função do direcionamento do poder público. Esse pragmatismo precisa acontecer, primeiro, no poder público. O setor produtivo é pragmático: se nos derem a meta, como o Brasil já fez, de produzir etanol, de produzir biodíesel, o setor produtivo entrega. Agora, usando o exemplo do Brasil: estamos esperando há vários anos a instalação do marco legal para poder produzir o Saf (Sustainable Aviation Fuel, Combustível Sustentável de Aviação), cuja mistura é obrigatória a para 2027. Não está pronto. Se não aprontar o marco regulatório, não vai ter investimento. Os países precisam trazer um guarda-chuva de previsibilidade e segurança jurídica. Se tivermos isso, os setores produtivo e empresarial vão investir muito. Até que vejam isso, vamos ficar mais no discurso do que nas ações práticas. Mas, acompanhando a evolução das COPs, acredito que estamos melhorando. Ainda temos um caminho longo a percorrer. O Brasil tem uma grande oportunidade em 2025 de fazer a COP mais pragmática da história.
Há mais diálogo entre setores produtivos e ambientalistas?
Está melhorando, está mais maduro e mais respeitoso. O agro brasileiro é verde, é sustentável, é o que menos emite carbono no mundo. Tem melhorias a fazer? Claro que tem.
O que falta?
Precisamos entender que cada um de nós terá de mudar os hábitos. Temos um agronegócio supersustentável, comprometido. Temos um marco legal sobre a parte ambiental bem estruturado. Mais de 99% dos produtores rurais brasileiros, pequenos, médios e grandes, estão comprometidos em cumprir as leis. Está faltando, por parte de entidades que têm cobrado o agronegócio, se aproximar e entender como ele funciona. Porque todos nós temos coisas a melhorar: o agro pode ainda ser mais sustentável, a indústria tem um trabalho gigantesco para fazer, o setor da mineração, que é muito importante para a economia brasileira, também tem metas arrojadas. Ouvi a declaração do presidente da Petrobras dizendo que a empresa vai investir mais em sustentabilidade para deixar o combustível cada vez mais limpo. Todos os setores têm muito a fazer, não é só o agro brasileiro. O presidente Lula disse que a Amazônia pode virar uma savana, mesmo que a gente não corte mais nenhuma árvore. O que eu entendo sobre isso: mudança climática não respeita a fronteira. É global. Por isso, precisa ter o comprometimento de todos. Não adianta o setor A ficar brigando com o setor B. Precisamos de alinhamento, de união e de um grande direcionamento. Por isso, é fundamental a liderança dos governos: federais, estaduais e municipais, porque existem políticas públicas a serem feitas em todas as esferas para contribuir para descarbonização.
Ouvimos muito falar em hidrogênio verde, mas o RS tem biocombustível e sua empresa é líder no setor. Como tem acompanhado o debate sobre o tema na COP?
Nós, no Rio Grande do Sul, temos um potencial e precisamos explorá-lo. Biocombustível ajuda a agregar valor nas matérias-primas.
A COP, além de ser um palco global de discussões políticas, de pautar visões, é também um local onde cada país, cada setor, defende seus interesses. Tenho visto aqui os setores do hidrogênio verde, da eletrificação, dos biocombustíveis... mas uma coisa é certa: se tem um lugar no mundo com capacidade de produzir energia limpa e em especial biocombustíveis é a América do Sul, e em especial o Brasil. O Brasil precisa apostar ainda mais nos biocombustíveis. Alguns setores vão ter muita dificuldade com a tecnologia do hidrogênio. É uma molécula muito antiga, deve ser muito utilizada no futuro, mas requer muito investimento, não só na produção, mas também em toda infraestrutura. Os estudos da Mackenzie, lá no RS, mostram o hidrogênio com potencial forte a partir de 2035, mas não podemos esperar até lá. Precisamos fazer isso acontecer antes. Por isso, nossa defesa para que a gente produza e use mais biocombustíveis. Há setores que não têm alternativa. A aviação, por exemplo: dados da indústria mostram que o biocombustível de avião é a única alternativa de descarbonização. Não tem avião elétrico ou movido a hidrogênio. Biocombustíveis vão ser cada vez mais utilizados para o transporte pesado: aviação, navegação, mineração. Nós, no Rio Grande do Sul, temos um potencial e precisamos explorá-lo. Biocombustível ajuda a agregar valor nas matérias-primas que produzimos. Melhora toda a eficiência da cadeia produtiva e aumenta a oferta de alimento no mundo. Há uma narrativa distorcida segundo a qual, quando se produz biocombustível, diminui oferta de alimento. Não, é o contrário: quando a gente produz biocombustível, de forma certa, certificado, respeitando o ambiente, a gente aumenta a produção de alimento de forma sustentável.
E o plano de transição ecológica apresentado pelo governo federal na COp28 ainda não está muito no plano teórico?
Estou trabalhando no Conselho, estou no grupo de trabalho de transição energética. O plano não está pronto, está em construção. Precisa estar sempre estar evoluindo, porque o mundo é dinâmico. Se daqui cinco anos tivermos uma disrruptura tecnológica, pode ser que esse plano tenha de ser adaptado. Não está escrito em pedra, e tem de evoluir, acompanhando os movimentos de mercado. Agora, tem de haver um eixo: o Brasil já é grande produtor de energia limpa, elétrica, de biocombustível, tem grande potencial para hidrogênio. Esses são os grandes eixos que o Brasil tem de apostar. Para isso, estou trabalhando no Conselho e é o que estou fazendo na COP: defendendo o que o Brasil tem potencial para produzir.